Por José Eustáquio Diniz Alves.*
A guerra civil no Iraque pode desencadear uma grande crise internacional ao reduzir a oferta global de petróleo e antecipar o Pico de Hubbert (ou Pico do Petróleo). A guerra Iraque-Irã, quando ainda havia abundância, iniciada em 1980, aumentou o preço da energia e provocou uma forte recessão na economia global, gerando uma década perdida para muitos países.
A situação atual pode ser mais grave, porque o mundo continua viciado em combustíveis fósseis e cada vez mais dependente do petróleo para a produção de alimentos, para o transporte, para a produção industrial, para a educação, a saúde, enfim, para manter funcionando cerca de 80% da economia mundial que depende de uma dosagem diária e crescente de energia fóssil.
Mas como mostrou, em 1956, o geólogo M. King Hubbert, a produção de petróleo segue o formato de uma Curva Normal (curva de Gauss). Na fase inicial de crescimento, ela acelera no começo da exploração dos poços, chega a um ponto de inflexão, a partir do qual mantém o crescimento, mas em ritmo mais lento, até atingir um pico (máximo de produção). Depois do Pico de Hubbert, a produção inicia uma fase irreversível de declínio até o esgotamento completo da capacidade de recuperação das reservas petrolíferas. Não há como fugir desta realidade implacável imposta pela natureza.
A dúvida não é se vai haver o Pico de Hubbert, mas quando ele vai ocorrer. Evidentemente, o establishment petrolífero acredita que o pico da produção está relativamente distante. A Agência Internacional de Energia (IEA na sigla em inglês) acredita que, se houver os investimentos adequados (que são estimados em US$ 48 trilhões) o Pico do Petróleo pode ser adiado para depois de 2035. Mas para tanto, a produção de petróleo do Iraque – que está atualmente em torno de 3,5 milhões de barris por dia (mb/d) – precisa chegar a 8 mb/d em 2035 (a produção do Brasil, mesmo com os enormes investimentos no pré-sal, está pouco acima de 2 milhões de barris por dia).
Para estabilizar o mercado mundial de petróleo, as exportações do Iraque que estão pouco abaixo de 2 mb/d, precisa subir para 4 mb/d até 2020 e para 6 milhões de barris dia até 2035. Sem esta oferta extra da produção iraquiana o preço do petróleo pode disparar, provocando uma cascata de outros aumentos e uma grande elevação dos custos de produção das mercadorias em geral, o que teria o efeito de inviabilizar o crescimento econômico mundial.
É nesta conjuntura já frágil que os agentes econômicos internacionais olham com desespero para a Guerra Civil iraquiana. Depois do fracasso da invasão do Iraque por uma coalização militar multinacional, liderada pelos Estados Unidos (2003-2011), que ironicamente foi denominada de Operação Liberdade do Iraque (Operation Iraqi Freedom), o país está cada vez mais distante da liberdade, mais perto do caos e à beira de uma secessão que ameaça interromper, estagnar (ou diminuir muito) a produção de petróleo. Ou seja, depois de gastar mais de um trilhão de dólares em despesas de guerra para garantir o abastecimento do petróleo do Iraque, os Estados Unidos se tornaram atores secundários no palco de disputa do Golfo Pérsico.
Os militantes islamistas, da organização Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIS, na sigla em inglês), um amálgama de paramilitares sunitas do Iraque e da Síria, ocuparam cidades importantes do Noroeste e Centro do Iraque, como Mosul,Tikrit, Saadiya e Jalawla. As forças de segurança do governo abandonaram suas bases na região, deixando para trás material militar apropriado pelos revoltosos, liderados por Abu Bakr al-Baghdadi.
O ISIS se desloca para o sul em direção a Bagdá e outras áreas controladas pela maioria xiita, que monopoliza o governo do premiê, Nouri Maliki, apoiado pelo Irã. Além disso, os curdos – etnia minoritária que administra de forma autônoma a região Nordeste do Iraque – também tomaram uma importante cidade (Kirkuk), que estava sob controle do governo de Maliki. Portanto, o atual governo iraquiano já perdeu o controle da produção de petróleo da região norte do país.
Porém, as maiores reservas fósseis e a maior produção de petróleo estão localizadas no sul do Iraque, região de maioria xiita. Em tese, o governo iraquiano possui recursos militares e humanos para barrar o avanço do ISIS, que utiliza táticas brutais com interpretação extrema das leis islâmicas. Os governos dos Estados Unidos e do Irã, mesmo sem ter relações diplomáticas recíprocas, estão afinados no combate ao ISIS. A disputa entre sunitas e xiitas tende a engolir no furacão da disputa a Arábia Saudita, o Qatar (que pretende organizar a próxima Copa do Mundo em 2022), a Síria, o Iraque, o Líbano, o Irã e até a Turquia. Enquanto o governo de Teerã apoia o Hezbollah e Bashar al-Assad, os sunitas tentam dar o troco das derrotas que tiveram recentemente na Síria e no Iraque.
As elites econômicas observam de maneira temerosa os desdobramentos da Guerra Civil no Iraque, a disputa fatricida entre sunistas e xiitas e o barril de pólvora da instabilidade política do Oriente Médio. Se o conflito se expandir e provocar a redução da produção e da exportação de petróleo, haverá um choque de oferta global e o preço pode disparar, como quando provocou a recessão de 2009. Os preços já aumentaram em 2014 e atingiram o máximo do ano, com o óleo cru (WTI), chegando a US$ 107 o barril e o preço do óleo cru (Brent) chegando a US$ 113 o barril.
Independentemente da atual crise do Iraque, diversos estudiosos e especialistas do tema, como Gail Tverberg, estavam prevendo que o Pico do Petróleo (e dos combustíveis fósseis) seria atingido entre 2015 e 2020. A partir daí haveria um declínio rápido, provocando um grande aumento do preço dos combustíveis e uma crise econômica, piorando as perspectivas da chamada “estagnação secular”.
A Guerra Civil do Iraque pode simplesmente antecipar o Pico de Hubbert. Vai faltar dinheiro para o investimento na produção de petróleo se a Guerra Civil se prolongar. Sem o aumento da produção iraquiana o preço do petróleo deve subir. Sem energia barata e abundante, o mundo pode virar de cabeça para baixo. O PIB deve cair e diversas bolhas financeiras tendem a romper e desinflar, esterilizando trilhões de dólares em papéis especulativos. Consequentemente, o desemprego deve aumentar.
Para agravar a situação, o preço dos alimentos deve subir, pois grande parte da agricultura mundial é “petroficada” e não funciona sem os fertilizantes, agrotóxicos, armazenamento e o transporte, tudo dependente da energia fóssil. Aumentando a carestia, tende a agigantar as manifestações populares e a revolta das camadas pobres e excluídas da sociedade, que não se beneficiaram dos 250 anos de acumulação de capital, que embora tenha ampliado o mercado de consumo, concentrou a renda e a riqueza nas mãos dos 1% da elite econômica mundial. O crescimento do capitalismo também usou e abusou do meio ambiente provocando um stress hídrico, a redução da biodiversidade e a degradação dos recursos naturais.
Assim, em um cenário pessimista, com mais um conflito no Oriente Médio (acrescido de uma nova crise nos Balcãs/Ucrania), o mundo pode estar diante de uma tempestade perfeita: uma Guerra Civil provocada por fundamentalistas islâmicos, que antecipa uma escassez de petróleo e aumenta o preço da energia, que diminui o ritmo da economia e provoca desemprego, que eleva o preço dos alimentos, que aumenta as manifestações populares e opõem as multidões com baixo acesso ao consumo às elites consumistas e ricas, que gera incerteza e medo – tudo isto – em um quadro onde existe uma depleção do capital natural e quando o mundo pode estar caminhando para um colapso ambiental e climático.
Mas num cenário otimista, a tecnologia e a inventividade humana podem solucionar os problemas energético e do clima, políticas públicas adequadas podem resolver o problema do desemprego, do subemprego e da desigualdade social e a capacidade diplomática pode resolver os conflitos políticos.
O Brasil está com dificuldades econômicas e sociais e o mundo está em uma encruzilhada. Os rumos são incertos. É bom ficar de olho!
Referências:
ALVES, JED. Bolha de Carbono: crise ambiental ou crise financeira? EcoDebate, RJ, 05/02/2014
ALVES, JED. Ascensão e queda da civilização dos combustíveis fósseis, APARTE, IE/UFRJ, 28/03/2014
ALVES, JED. O choque de oferta energética e o decrescimento. EcoDebate, RJ, 28/05/2014
FOX, Michelle. Without Iraq’s oil, prices could hit $150-$200: Pickens, 13/06/2014
LeVine, S. Oil prices aren’t coming down any time soon, and Iraq is just the latest reason, 12/06/2014
*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
Fonte: EcoDebate