Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.
Dando continuidade à discussão teórica a respeito das categorias centrais do legado marxista e especulando amarrações com questões da saúde e, portanto do cotidiano, no texto dessa semana será abordada a relação entre formação econômico-social e saúde. Busca-se assim, reforçar a base material e ideológica para melhorar a compreensão da alienação em saúde, pois a opção é pelo detalhamento lento e persistente da teoria para que se possa avançar solidamente no sentido da crítica e da transformação da sociedade capitalista.
O conceito de formação econômico-social em Marx nos traz aspectos importantes para que não tenhamos uma compreensão idealística da alienação. Essa discussão traz duas dimensões fundantes do modo de produção capitalista: a econômica e a social. O termo formação nos dá a ideia de processo, de inacabado, ao passo que advoga a simultaneidade entre economia, o que se refere ao material, àquilo que é da relação do homem com as coisas com vistas a produzir sua existência; e o social, que remete à sociedade, às relações sociais e suas repercussões.
O que evidencia a alienação é um desencontro entre o econômico e o social. No capitalismo, os avanços econômicos são enormes e anunciam possibilidades que o social demora a alcançar, ou jamais alcança. Até porque, via de regra, não há uma preocupação da economia com a vida das pessoas, a vida em sociedade. Há ainda a possibilidade, no mundo das desigualdades em que vivemos, de que alguns alcancem os avanços proporcionados pela economia nas suas vidas, mas isso só se ocorre às custas da exploração de outros. Esse descompasso não considera o ritmo humano, ou o tempo para que o homem, em sua dimensão coletiva, assimile os avanços econômicos.
Não é útil ao capital que os trabalhadores tenham consciência de suas ações, dos avanços tecnológicos, das possibilidades, das técnicas e das tecnologias envolvidas nos processos produtivos. Ao mesmo tempo, a aplicabilidade das tecnologias, modernamente chamadas inovação pelo dicionário capitalista, está voltada para aumentar os lucros capitalistas e não para o bem-estar, para a qualidade de vida humana.
Nesse contexto, é clara a supervalorização do conhecimento tecnicista em detrimento do livre pensar, do sentir, do ser consciente sobre o mundo, sobre as próprias ações e sobre a economia. Aí passamos a entender um pouco mais a separação estabelecida no mundo do conhecimento, começando pelas universidades, instituições de pesquisa ou até mesmo pela importância que a mídia dá às diferentes formas de conhecimento.
É gritante o privilégio no financiamento das áreas tecnológicas se comparadas às áreas sociais e humanas. Isso se reproduz também no número de vagas nos cursos, seja na graduação ou pós-graduação. Condição que chega a extremos preocupantes nos dias de hoje. Para exemplificar, o governo Temer cogita extinguir cursos como filosofia e antropologia das universidades públicas brasileiras. Trata-se do capital avançando aceleradamente no contexto de uma correlação de forças bastante difícil para a classe trabalhadora nos dias de hoje.
A formação econômico-social, no caso da alienação em saúde se traduz em possibilidades de cuidado, de assistência e de vida abissalmente separadas. Para a classe trabalhadora fica a dificuldade de acesso, a baixa densidade tecnológica, somada à carência de serviços públicos e a volta da mortalidade por doenças simples que já estavam extintas ou controladas. Enquanto para os ricos, as possibilidades de tratamento de doenças complexas se amplia em uma velocidade espantosa.
Não há pessoas melhores ou piores, o direito à vida e à saúde é um direito fundamental e não pode haver privilégios. Essa pode ser uma abordagem estratégica revolucionária significativa para atuar na consciência e mobilização da classe trabalhadora, pois envolve aspectos sentidos por todos e de uma compreensão ampla. Saúde, marxismo e revolução!
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.