Por José Álvaro de Lima Cardoso.
Na semana passada um juiz federal argentino ordenou o fim do foro privilegiado e a prisão da ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015). A alegação é a de que a agora senadora teria acobertado iranianos, que são acusados pelo atentado contra um centro judaico que matou 85 pessoas em 1994, o AMIA, considerado o mais grave atentado ocorrido na Argentina. A decisão judicial inclui políticos ligados à Cristina, como o seu ex-chanceler, Héctor Timerman, e seu braço direito Carlos Zannini, preso no dia 07 de dezembro. Em 2012 a então presidenta, assinou um acordo com o Irã para que os acusados fossem interrogados no Irá ou em um terceiro país. A acusação o juiz Carlos Bonadío contra a ex-presidente é de traição à pátria, gravíssima em qualquer parte do mundo. Em outubro último Cristina havia se apresentado e entregue ao juiz, um documento negando as acusações e esclarecendo seus aspectos.
Cristina assumiu o senado no dia 10 de dezembro último. Para que o pedido do juiz seja atendido ela tem que perder o foro privilegiado, o que requer dois terços dos votos. Tudo está a indicar que a decisão do juiz é exclusivamente política e visa perseguir opositores do governo, especialmente aqueles que podem apresentar obstáculos às políticas ultra neoliberais imposta pelo governo de Maurício Macri. Políticas muito parecidas, aliás, com as que vem sendo adotadas pelo governo brasileiro a partir do golpe. O juiz Bonadio é considerado por Cristina um inimigo declarado, conforme consta na defesa que apresentou por escrito, por isso havia solicitado que o mesmo fosse retirado do caso.
O judiciário argentino, como em outros países da região, vem sendo instrumentalizado pela direita para perseguir líderes democráticos e populares. O que ocorre no país vizinho é parecido com o Brasil, a disseminação da aplicação do que é conhecido como Lawfare, isto é, a utilização do judiciário como arma de perseguição e destruição da reputação de inimigos políticos, feito em parceria com a imprensa. Juízes e procuradores, que deveriam manter atuação imparcial e discreta, atuam abertamente contra líderes populares, e a favor de grupos políticos, sempre com posições conservadoras e contra políticas em benefício da população mais pobre.
A Operação Lava-Jato no Brasil, peça essencial do golpe, foi estruturada a partir de informações fornecidas pelas organizações de espionagem estadunidenses (CIA, FBI, NSA) como já está relativamente bem documentado. Em março de 2016, inclusive, o procurador geral da República e outros procuradores se reuniram nos EUA com autoridades norte-americanas, para discutir e passar informações relativas à operação Lava-jato. É muito curioso as autoridades brasileiras irem trocar informações com a ave de rapina mais agressiva do mundo, justamente sobre os alvos da rapinagem, a riqueza do pré-sal e a Petrobrás.
Os procuradores foram tratar do problema de corrupção na Petrobrás, é bom registrar, com representantes do país mais corrupto do mundo. Um país que realiza golpes no mundo todo visando garantir seus interesses econômicos e políticos, e que usa, sem sombra de dúvidas, a corrupção como instrumento corriqueiro das operações. Os EUA usam todos os recursos possíveis e imagináveis, financiando golpes e comprando governantes no mundo todo, para acessar riquezas e matérias-primas e conservar sua hegemonia, que correndo grande risco. Pouco se fala do assunto, mas entre 1846 e 1848 os EUA ampliaram seu território em 25%, tomando terras do México, que perdeu cerca de 50% do território. A guerra entre os dois países foi iniciada pelos EUA, com base no cínico pretexto de que Deus tinha concedido o direito do império do Norte expandir suas fronteiras.
O conceito de corrupção deve ser visto de um ponto de vista mais amplo. Desde 1945, no fim da 2ª Guerra Mundial, Washington já tentou derrubar mais de 50 governos, a maior parte dos quais plenamente democráticos, bombardeou populações civis de mais de 30 nações e tentou assassinar mais de 50 líderes estrangeiros. Segundo o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira, recentemente falecido, citando o historiador norte-americano John Coatsworth, entre 1898 e 1994, os Estados Unidos patrocinaram 41 golpes de Estado somente na América Latina, o que corresponde à derrubada de um governo a cada 28 meses, no espaço de um século. Um país com essa folha corrida pode dar conselhos para autoridades brasileiras de como combater a corrupção?
A corrupção é uma característica fundamental do modus operandi não apenas dos Estados Unidos, mas dos países imperialistas em geral. Recentemente o ministro de Comércio do governo inglês, Greg Hands, revelou que o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa, vinha fazendo lobby no interior do governo brasileiro para as empresas estrangeiras. Nessas transações com o governo golpista brasileiro, uma das prioridades do governo britânico seria o afrouxamento das exigências de conteúdo local na indústria do petróleo. Rapidamente, sem debate, e através principalmente da MP 795, o governo Temer mudou as regras da tributação, a regulação ambiental e liquidou com as regras de conteúdo local para a indústria de gás e petróleo. Segundo estudos da assessoria econômica da Câmara dos Deputados, somente as isenções fiscais para as petroleiras, irão representar, no longo prazo, perda de receita na casa de R$ 1 trilhão e, já em 2018, uma perda de R$ 16,4 bilhões.
A MP 795 ficou conhecida como a MP da Shell. Esta empresa é uma velha conhecida no setor de petróleo, como corrupta ao extremo, tendo uma extensa lista de denúncias e processos. A denúncia mais recente em relação à empresa anglo holandesa é de que desviou recursos públicos e pagou propinas durante a compra de um dos maiores campos de petróleo da Nigéria, que foi vendido por US$ 1,3 bilhão, mas apenas US$ 210 milhões chegaram até os cofres públicos. A lista de acusações contra a Shell é longa. Mas na verdade este é o modus operandi não apenas da Shell, mas de todas as grandes petrolíferas do mundo. O lobby feito recentemente junto ao governo brasileiro e ao Congresso Nacional, visando desmontar as regras de exploração e produção do pré-Sal seguiu a mesma lógica observada no mundo todo. Afinal, o que são alguns milhões de dólares em propina, em face do acesso aos recursos do pré-sal, que pode conter riqueza equivalente a 10 PIB do Brasil?