Por Nathália Silveira*
A INTEGRAÇÃO COMO UM OBJETIVO ÁRDUO
Historicamente, a América Latina enfrenta dificuldades assíduas para atingir uma integração forte. Esses empecilhos possuem raízes no processo de colonização sofridos pelos países da região, e são mantidos pela estrutura de colonialidade que permeia a dependência econômica do Brasil no tocante aos países do Norte Global – isto é, o conjunto de países que usufruem do processo de acumulação de riqueza.
Como um grande exemplo de integração regional, pode-se observar a rápida união entre os países do continente africano, apesar de todas as suas mazelas, tantas cicatrizes e independências majoritariamente recentes. Na África, todas as organizações internacionais são compostas pela maior parte dos Estados africanos. A União Africana (UA), por exemplo, é composta por todos os 55 países do continente. Mesmo com a diversidade e as divergências na região, as nações se unem pelos princípios inalienáveis do antirracismo, do anticolonialismo e da autodeterminação dos povos. Em contraste, a América Latina, constituída por menos da metade do número de países da África, não consegue sequer abeirar esse nível de integração, com suas organizações internacionais progressivamente mais abandonadas.
O VÍNCULO ENTRE A AUSÊNCIA DE INTEGRAÇÃO REGIONAL E A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA
Para compreender a relação entre a falta de uma integração latino-americana e a dependência econômica do Brasil aos países do Norte Global, é valioso considerar os estudos de Celso Furtado, economista brasileiro cujos pensamentos – refinados por sua atuação na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e de suas interações com intelectuais como Raúl Prebisch – são uma grande referência ao entendimento econômico da América Latina, e, sobretudo, do Brasil.
Com perspectivas que mantêm-se atuais em uma realidade que ainda se demonstra pungente, Furtado pôs em foco a vulnerabilidade econômica dos países latino-americanos. O Brasil, como participante dessa classe, segue preso em uma condição de subdesenvolvimento e de uma economia pobre em diversificação e produção de tecnologias, com elos em uma condição estrutural de sujeição a importação das inovações dos países desenvolvidos para progredir em suas técnicas.
Uma mudança substancial, de fato, nunca ocorreu. A industrialização da América Latina, englobando a do Brasil, nunca foi sucedida pela redução das desigualdades, mas sim pela acumulação de riqueza para uma fragmento ínfimo da população. Os primórdios dessa acumulação advieram da colonização, e, no contexto do Brasil, cujas políticas econômicas sempre foram usualmente dirigidas por grupos dispostos a sustentar tão-só interesses individualistas, foi pujante desde a década de 60 por um célere processo de industrialização com uma enorme concentração de renda.
Em sua obra “A hegemonia dos Estados Unidos e o Subdesenvolvimento da América Latina”, Furtado explora como o modelo econômico da região latino-americana permanece guiado pela exportação de matérias-primas, condicionando uma organização de produção subalterna ao comércio internacional e frequentemente conduzida pelos interesses dos países reputados por seu capital político-econômico e concentração de tecnologia, e, que à vista disso, ocupam uma posição hegemônica no Sistema Internacional, como os Estados Unidos. Esses mesmos países ocupam uma posição de provimento de grande parte do financiamento da economia brasileira. Essa dependência prejudica a eficácia de políticas econômicas de fato soberanas.
A ausência de uma integração regional forte agrava essa sujeição econômica, mesmo com solos férteis, uma mão de obra qualificada, uma população enorme a ser abastecida e culturas tão ricas nesses territórios. O uso desses recursos para uma vantagem mútua é obstaculizado pelo carecimento de políticas de integração eficazes. Apesar de enfrentarem adversidades aproximadas, tais como instituições frágeis, democracias instáveis e falta de infraestrutura, os países latino-americanos geralmente desdenham a urgência de estabelecer a região como um bloco unido no Sistema Internacional. Isso atravanca posicionamentos emancipatórios nas convenções e organizações internacionais.
Para dirigir-se à verdadeira autonomia do Brasil quanto aos países desenvolvidos, é preciso fomentar uma integração sólida, contendo a celebração de acordos comerciais justos, a formação de cadeias produtivas regionais, o apoio mútuo à iniciativas de infraestrutura e a prossecução de políticas econômicas que proponham um fortalecimento regional anti-imperialista e não imperialista.
Em seu texto “Obstáculos Políticos ao Crescimento Brasileiro”, Furtado enfatiza que o verdadeiro desenvolvimento somente sucederá onde existir um projeto social subjacente, uma perspectiva histórica e uma sociedade consciente de seus problemas, e que não careça de debates acerca das questões nacionais e internacionais. O território utilizado de um país – conceito trazido por Milton Santos – tem de possuir valores para uma industrialização condizente com a realidade nacional, visando a redução das desigualdades socioeconômicas que a arruína.
O ELITISMO DAS INSTITUIÇÕES
Enquanto isso, em todo o caso que diz respeito a quem ocupa os espaços de decisões dos países latino-americanos, refere-se a sujeitos imensamente distantes da realidade popular. Nascidos e crescidos em ambientes repletos de privilégios sociais e condições materiais, as elites nacionais apoderam-se das discussões acerca das políticas públicas, impossibilitando transformações efetivas e emancipatórias na política internacional da América Latina.
Sendo assim, é imprescindível um olhar crítico quanto a esses espaços e a sua falta de corpos que realmente conheçam o Brasil. Essa participação é necessária para que as instituições deixem de ser castelos perante a sociedade e espaços distantes do povo e de seu conhecimento, a fim de criar um futuro mais próspero à América Latina, ressaltando suas riquezas naturais, culturais e históricas, e provendo uma vida digna às suas populações.
(*) estudante de graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadora do Eirenè-Améfrica: “Centro de Pesquisas e Práticas Pós-coloniais e Decoloniais aplicadas às Relações Internacionais e ao Direito Internacional”.
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