Por Douglas Kovaleski, para Desacato. info.
No texto dessa semana, apesar de o resultado das eleições não serem nem de longe positivos, a opção é por manter a esperança e continuar debatendo aspectos que possam auxiliar os subalternos a organizarmo-nos coletivamente.
Em primeiro lugar, vou trabalhar a categoria subalternidade a partir da matriz gramsciana de pensamento, pois grande número de categorias propostas por Gramsci nos Cadernos do cárcere caíram no uso comum dentro e fora da academia com significados diferentes daqueles sugeridos por Gramsci. A intenção de Gramsci ao utilizar o termo subalternos era a de ampliar o espectro da classe que vive do trabalho, sejam operários, camponeses ou excluídos do mercado de trabalho, todos tornam-se subalternos, por uma relação econômica e de poder que marca o cotidiano de um grande contingente de pessoas.
Da etimologia, subalterno significa apenas o outro inferior ou inferiorizado. Para Gramsci, a determinação essencial encontra-se nos fundamentos materiais da realidade em movimento contraditório. Dizer que a cultura ou a política está em toda parte da vida social, inclusive na economia, não é o mesmo que negar a determinação da reprodução da vida material dentro do complexo de determinações que compõe a totalidade.
A vida fragmentada das classes subalternas era considerada por Gramsci como uma característica da própria situação social. Condição essa que deve ser superada, pois à medida que essas classes deixam de ser subalternas e passam a disputar a hegemonia, ganham organicidade e a perspectiva da totalidade. A experiência dos conselhos de fábrica descrita por Gramsci, a luta operária por melhores condições de vida e seu esforço para desenvolver sua auto-educação e sua formação cultural à revelia da burguesia envolveram Gramsci em toda a profundidade de seu ser. A influência de Rosa Luxemburg na obra de Gramsci é patente nesse período, principalmente quando enfatiza a aposta na auto-organização dos trabalhadores e na centralidade da fábrica na luta política e social.
Ampliando seu ângulo de visão, Gramsci jamais deixou de conceber a centralidade do trabalho na reprodução da vida social e da fábrica na reprodução do capital. Ao mesmo tempo, privilegiava o conhecimento da realidade social como condição para a a intervenção política. Sem o conhecimento da história da luta de classes que forjou o capitalismo italiano, seria impossível a realização de uma frente única antifascista e anticapitalista, assim como a formulação de um projeto revolucionário centrado na classe operária e na aliança operário-camponesa. A ignorância da história era agravada pelo invólucro ideológico imposto pelas classes dominantes italianas de viés positivista, ao passo que o campesinato do sul da Itália era mantido submisso por meio da religião católica.
Gramsci trata da história e da cultura dos grupos subalternos que sobrevivem, debruça-se sobre o americanismo fordista que é, para Gramsci, um artifício para anular a queda do lucro capitalista. Nesse momento, as classes subalternas teriam que ser adestradas de acordo com as novas metas. O capitalismo ou, “a racionalização determinou a necessidade de elaborar um novo tipo humano, adequado ao novo tipo de trabalho e de processo produtivo” (Q 22, § 2, p. 2146). A racionalização capitalista da produção sob a forma taylorista e fordista, como avanço do maquinismo e do automatismo, gera uma situação contraditória de aprofundamento da alienação e de criação das condições para a negação da subalternidade operária. Cria a condição para que o indivíduo trabalhador se aproprie parcialmente da técnica produtiva, mas o isola e fragmenta do ser classe operária.
Trazer Gramsci nesse momento pode nos auxiliar a valorizar algumas coisas elementares para a práxis, como conhecer as classes subalternas, com consciência da condição de opressão e das possibilidades de mascaramento, ou acobertamento, que a burguesia italiana fazia com relação à condição de vida dos subalternos e que permanecem em outros moldes, no Brasil contemporâneo. Da mesma forma a preocupação com a liberdade e com a emancipação sempre estiveram presentes na obra de Gramsci, com a centralidade no trabalho.
Mergulhado na cultura, e no folclore dos subalternos, essa posição possibilitou que ele compreendesse que a emancipação não poderia se limitar a uma mudança apenas das condições materiais ou jurídicas e que mesmo essas exigiriam uma capacidade de auto-organização, de auto-educação e de autonomia das massas exercitando e desenvolvendo o “espírito popular criativo”.
As indicações extraídas de Gramsci podem ser de utilidade, pois todas as pessoas que se propõem a atuar em prol da emancipação humana precisam conhecer as condições de vida dos subalternos. No caso da saúde, é possível observar um vasto campo de atuação do ponto de vista da aproximação dos subalternos, do conhecimento das necessidades e sofrimentos da população, das práticas, da mística e das resistências. Conhecer, aproximar, esclarecer, formar consciência, falar de política, é o que precisamos fazer.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos socais.