Por Elaine Tavares.
Agora no mês de outubro, a Venezuela vai outra vez às urnas. De novo a escolher seu presidente. Desde 1999, quando Hugo Chávez assumiu pela primeira vez o cargo de presidente, que o país vem vivendo transformações importantes, nunca antes imaginadas. A primeira delas foi a refundação da República com a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, aprovada por mais de 92% da população. Nela, por força das gentes organizadas, foi criado um quinto poder – maior que o legislativo, executivo e judiciário: o poder popular, coisa que não existe em nenhuma outra Constituição do mundo. Isso significa que se a maioria do povo não aceitar determinada lei, pode revogá-la. A Venezuela viveu um turbilhão. Por todo o país se moveram as gentes, povo que nunca antes tivera a chance de viver a participação efetiva da vida política. E, para desespero da elite que mandava no país desde décadas, quem conquistou a maioria das cadeiras foram as pessoas mobilizadas em torno de uma proposta de mudança radical. A nova carta foi construída e o então presidente decidiu submeter-se a outra eleição, agora sob a nova Constituição. Estava fundada a quinta república e iniciava aí a democracia participativa, na qual o povo era protagonista. Assomava na América do Sul a República Bolivariana da Venezuela, tendo como objetivo a recuperação da ideia da Pátria Grande, de Bolívar.
Mas, esse ideal tão singelo colocou toda a direita latino-americana à postos. Uma Venezuela libertária era incômoda demais. Isso sem falar na relação de amizade com Cuba, desequilibrando a correlação de forças na região, afinal, o país comandado por Chávez é uma potência petrolífera. E foi assim que, desde o chiquérrimo bairro de Altamira, onde vive a elite caraquenha, foi se gestando um golpe de estado. Com a preciosa ajuda dos Estados Unidos, empresários locais, fazendeiros, vende-pátrias, conseguiram aprisionar Hugo Chávez no ano de 2002. Queriam fazer o povo crer que o presidente havia renunciado e, assim, assumir o comando do “cargo vago”. Só que um soldado que fazia parte da guarda que vigiava o presidente foi o portador de um bilhete no qual Chávez informava que estava preso, que era um golpe e que não havia renunciado. A Venezuela bolivariana se mexeu. Desceram as gentes de todos os lugares e obrigaram os golpistas a devolver o presidente. A força do povo derrotou o golpe. Desde aí a Venezuela vem caminhando sob outros ventos. Coisas importantes foram se sucedendo, revertendo em benefícios para a maioria, antes relegada ao azar.
Chávez trouxe para as ruas a luta de classe. Na capital, Caracas, qualquer grupinho de dois já inicia uma discussão sobre o modo bolivariano de governar. Há os que não perdoam o fato de o presidente ter garantido poder ao povo. Um grupo particularmente tem atuado na disputa. São os chamados “esquálidos”, opositores do governo. Eles não reconhecem os processos eleitorais livres e chamam Chávez de ditador, sendo respaldados pela CNN, braço midiático armado do modo estadunidense de ver a democracia. Querem de volta o tempo em que só um pequeno grupo de privilegiados desfrutava do direito de governar e de desfrutar as riquezas. Coisas como as “missões” – grupos organizados de pessoas comuns, nos bairros – são inadmissíveis. É que essas atividades têm levado alfabetização às gentes, universidade, direitos, comunicação livre, creches, saúde, comida barata, cultura, moradia, tudo o que antes não havia.
Em 2006, o presidente submeteu-se a outro pleito, no qual foi vencedor, com mandato até 2013, justamente por essa postura de defender a democracia participativa, onde manda o povo. Depois dessa importante vitória, o processo bolivariano aprofundou-se. As missões se consolidaram nas cidades de todo o país assim como nas zonas rurais, milhões de pessoas tem participado, fazendo com que a ideia de democracia assuma outra conotação. Na Venezuela, democracia não se resume ao direito de votar, mas sim, o de participar ativamente da vida do país em todas as áreas possíveis. Mas, o processo nunca foi tranquilo. A mudança bolivariana foi se fazendo sem revolta armada, na paz, e isso pressupõe o direito de a oposição também se organizar. Apesar das constantes denúncias de falta de liberdade de expressão, quem já visitou a Venezuela sabe o quanto a oposição pode se expressar e como o faz. No mais das vezes os ataques são à pessoa do presidente, geralmente no mais baixo calão. Também não é segredo para ninguém a ação constante da embaixada dos EUA, fomentando a dissidência. Acabar com a democracia participativa na Venezuela é uma necessidade para quem só consegue impor a dita cuja pela força das armas: vide Iraque, Afeganistão, e outros tantos lugares ocupados militarmente. E foi por conta desse permanente atuar da oposição com seus aliados estrangeiros que as eleições legislativas de 2010 mostraram um avanço significativo da velhas forças. Porque, afinal, não é coisa fácil levantar um país de mais de uma centena de anos de escravidão à oligarquia local. A pobreza não acaba por mágica e o processo de mudança – feito de forma democrática – é eivado de avanços e retrocessos.
Não é sem razão que agora, nas eleições do dia 7 de outubro, a disputa está bastante polarizada entre os candidatos Hugo Chávez, pelo GPP (Gran Polo Patriótico), que junta organizações de esquerda, populares e independentes, representantes dos novos tempos e Henrique Capriles, pela oposição, o MUD (Mesa de la Unidad Democratica), que reúne vários partidos e forças de oposição mais à direita, tentando evitar que Chávez chegue pela terceira vez à cadeira presidencial. A estratégia de centrar forças em um único candidato foi baseada justamente na boa performance conseguida nas eleições que definiram os parlamentos em 2010, quando essa coalizão conseguiu fazer 47,22% dos votos válidos.
O candidato de oposição, Henrique Capriles Radonski, é um jovem e bonito advogado, filho da elite local, escolhido a dedo para enfrentar Chávez. Tem uma sólida carreira política que começou como deputado, sendo ele um dos mais jovens do antigo congresso. Também foi prefeito por duas vezes no município de Baruta e governou o estado de Miranda. Sua família está ligada ao setor empresarial, sendo que o principal produto que comercializam é a comunicação através da “Cadena Capriles”. Também atua na área do entretenimento, do cinema e serviços imobiliários. Henrique formou-se nos melhores colégios de Caracas, fez-se advogado e especializou-se em direito tributário. Estudou também fora do país, na Itália, Holanda e Estados Unidos. Durante o golpe de estado que tentou tirar Hugo Chávez do poder, Henrique esteve envolvido nos ataques à Embaixada de Cuba e chegou a ser detido. Naqueles dias circulara o boato de que o vice-presidente estaria asilado na embaixada e Henrique tentou violar os acordos diplomáticos buscando vistoriar o local que era, por lei, território cubano.
Agora, a imagem de jovem moço bem sucedido está sendo usada para enfrentar um homem que passou por um longo tratamento médico e ainda apresenta sinais de doença. De maneira bastante gritante a disputa se dá no campo simbólico entre o sangue novo e o velho enfermo. Uma simbologia às avessas já que o “moço” nada mais é do que a volta do sempre existente, ou seja: a oligarquia predadora e sugadora de riquezas. Enquanto Chávez é a continuação da mudança, do aprofundamento do protagonismo popular: o novo.
Sem dúvida a Venezuela vai passar por uma queda de braço sem precedente, com dois modelos de organização da vida bastante distintos. É certo que o modo bolivariano não é o melhor dos mundos, tem suas falhas, seus pontos de corrupção, seus entraves, mas não resta dúvida que representa uma parcela da população que nunca teve acesso aos direitos mais básicos. A Venezuela de antes era um país no qual aos pobres era relegado o lugar subalterno, de aceitação de uma realidade na qual a fatia maior de poder e riqueza era dos mais ricos – uma parcela ínfima dos venezuelanos. Com o governo bolivariano os empobrecidos puderam ter acesso ao país, aos recursos públicos, aos bens públicos. O dinheiro do petróleo que só engordava contas no estrangeiro passou a financiar casas populares, centros de produção de informação, educação formal, saúde, começou a ser dividido com equidade. Não dá para negar que houve mudanças significativas do ponto de vista estrutural. Isso sem falar das grandes empreitadas continentais como a Telesur, uma rede de informação na qual a América Latina se vê de verdade, o Banco del Sur, uma proposta de banco solidário e a Alba, Aliança Bolivariana para as Américas, que investe tudo no sonho da Pátria Grande.
Agora, nas urnas, o povo vai decidir. Se quer aprofundar seu poder ou se vai entregar sua vida na mão dos velhos “patrões”. E a beleza está justamente nisso, na possibilidade de errar ou de acertar. Tudo está em aberto. Só que não dá para ser ingênuo acreditando que a decisão vá se dar apenas baseada no livre arbítrio das gentes. A batalha que está para acontecer na Venezuela nesse dia 17 tem muitos atores. Por ali andam os empresários, os mercenários, os vende-pátria, os embaixadores do império, o dinheiro das fundações estrangeiras, os provocadores, os enganadores, os vendedores de sonhos e até os terroristas, todos agindo nos bastidores. Cada cidadão do país se verá enredado por essas forças e será preciso muita consciência de classe para decidir o voto em Hugo Chávez.
É sempre bom lembrar que, apesar de toda a centralidade do debate ficar nesses dois candidatos, que agrupam a maioria das forças políticas à esquerda e à direita, também há outros candidatos de partidos menores como María Bolívar, pelo Partido Democrático Unidos pela Paz, Orlando Chirinos, pelo partido Socialismo e Liberdade, Reina Sequera,, pelo partido laboral, Luis Reyes Castillo, Pela Organização Renovadora Autêntica e Yoel Acosta Chirinos, pela Vanguarda Bicentenária Republicana.
Agora é esperar. As urnas falarão!