Por Eduardo Perondi.*
Da minha parte, assumo: sou culpado. Pela condição lastimável em que se encontra a educação pública catarinense. Não há nenhuma outra razão.
Engana-se quem acha que a situação está desse jeito porque o governo estadual desde 2005 investe na educação menos do que exige a legislação, como denunciou o tribunal de contas e noticiou a imprensa. Esses 800 milhões de reais não teriam mudado essencialmente nada. Aliás, não é porque nosso Estado é um dos que mais arrecada com impostos que a educação deve receber mais investimentos.
Não deveria ser também porque são muitas as escolas com problemas de infraestrutura, como as que chovem na cabeça dos alunos, ou o teto mesmo ameaça desabar sobre todos. As caixas d’água sem limpeza, fossas inadequadas, cozinhas insalubres não são motivo para aluno tirar nota baixa. A falta de acessibilidade para estudantes que possuem necessidades especiais também não comprometem os bons resultados de uma educação inclusiva, pois não importa tanto se você não pode ir ao banheiro, o que importa é a vontade de aprender.
Também não é porque os professores fazem “vaquinha” para comprar a água, o café, a caneta para escrever no quadro, dentre outras coisas importantes para o exercício da profissão. Não tem nada a ver se o salário é miserável, se as salas são superlotadas, se a hora-atividade não é paga, se há redução da carga horária a qualquer momento, se rompem o contrato por qualquer motivo (no exemplo mais comum, porque o ano acaba..), se a maioria continua temporário nas escolas. Nem faz diferença se os funcionários da limpeza, merenda e segurança sejam terceirizados ou contratados pela APP da escola. Quem escolheu trabalhar na educação não pode usar isso como desculpa.
Também não é porque os recursos didáticos garantidos aos educadores, além da saliva, são o quadro e giz. Os recursos compartilhados, como salas de informática e de vídeo, também podem ser utilizados com agendamento prévio, desde que não tenham sido também improvisados para alguma eventual falta de salas de aula. Estão chegando também equipamentos para modernizar as práticas pedagógicas, e nem faz tanta diferença se os computadores e o tablet do professor vieram antes da internet rápida e da rede sem-fio.
Não é porque a direção das escolas é cargo “de confiança”, geralmente ocupado por pessoas que decepcionariam muito os políticos que se envolveram na sua indicação caso não defendam os interesses do governo. Interesses que podem ir desde “dar uma improvisada” na falta de vagas até praticar assédio moral contra os educadores e estudantes que reclamam ou desmobilizar a comunidade. Mas isso tudo não explica a bagunça e baderna que se vê nas escolas.
Não deve ser porque as bibliotecas dispõem de poucos e desorganizados livros. Tudo bem que em Santa Catarina nunca fizeram um concurso pra contratar bibliotecários (as) para as escolas, mas o problema é geralmente resolvido quando há um professor doente na escola, que é “readaptado” e mandado para a biblioteca, pra servir pra alguma coisa. E se os livros estivessem inacessíveis porque não há ninguém para abrir e cuidar da biblioteca, bastaria aos alunos interessados procurar alguém que tenha a chave, ou esperar pra ver se depois da aula consegue.
Não deve ser também porque existe algum tipo de perseguição aos educadores que reclamam da condição da educação. É apenas coincidência que muitos desses tenham seus CPFs bloqueados no “sistema” por motivos mal explicados e não consigam pegar mais aulas no ano seguinte. A recorrência dos processos administrativos que “afastam preventivamente” alguns professores nos lugares onde há protestos, greves ou mobilizações também não afeta em nada o bom ensino dos jovens catarinenses. Com certeza não criaram uma lei recentemente para “normatizar os processos administrativos disciplinares contra servidores públicos” pensando em processar docentes. Só se fosse para coibir os “funcionários-fantasma” do magistério, cuja existência diretores de escola e gerentes de educação não tem conhecimento, apesar de pagarem-lhes o salário e aceitarem que não cumpram horários nem assinem o livro-ponto – obrigações diárias de todos os demais.
Por essas razões, além de outras tantas que poderiam ser acrescentadas, solicitamos educadamente:
Pais: parem de fazer boletim de ocorrência na polícia para exigir vaga para seu filho; não façam mais denúncia no Ministério Público se sua filha de 14 anos foi matriculada no período noturno; deixem de reclamar na TV que a escola do bairro demorou 4 vezes mais e custou quase o dobro do que o previsto para ser construída;
Estudantes: não reclamem se a água do bebedouro estiver meio esverdeada de vez em quando; não façam cara feia só porque a falta de professores é recorrente; obedeçam todas as ordens que vierem de quem é responsável por educá-los, mesmo que às vezes elas pareçam meio absurdas ou violentas;
Professores: deixem de lamentar o soldo e a chibata de cada dia, afinal pagar o aluguel e ser respeitado não é tudo na vida de um educador. Cadê o prazer do mestre em ensinar por amor, até mesmo debaixo de uma árvore se não tiver outra opção? Parem de querer discutir outras formas de ensinar, não é porque esse modelo de escola se parece um pouco com depósitos ou prisões que vocês devem se acomodar;
Comunidade escolar: pare de reivindicar que a escola sirva para alguma coisa. Não é porque ela é um direito de todos, assegurado pela Constituição Brasileira, que isso deve ser colocado em prática. Tudo bem que a legislação define a escola como um espaço democrático, mas daí vocês querem participar de assembleia, eleger diretor, decidir juntos como a escola vai funcionar, aí já é demais.
Parem todos de reclamar, nem precisa de mais investigações. Os quatro culpados por essa condição deplorável em que se encontra a educação pública catarinense já foram identificados. Na verdade agora são cinco, porque alguns meses depois de processarem os primeiros, eles perceberam que tinham esquecido de um outro. Sempre é tempo, afinal a justiça tarda mas não falha. Isentem os demais de qualquer pena, arquivem as denúncias, ainda bem que outros possíveis responsáveis sempre são inocentados. Da minha parte, eu confesso: a culpa é toda nossa. Tirem-nos da educação e verão como as coisas se resolvem rapidamente.
* Professor.
Foto: globedia.com
E isso sem mais….