Por Paulo Kliass.
A Secretaria do Tesouro Nacional (STN), estrutura subordinada ao Ministério da Fazenda, apresenta algumas importantes atribuições institucionais no domínio da economia e das finanças públicas. Dentre tais missões, encontra-se o acompanhamento da evolução de nosso processo de endividamento público. Assim, o órgão divulga regularmente o “Relatório Mensal da Dívida Pública”. O documento aborda o comportamento e as variações observadas na evolução da dívida pública do governo federal, abrindo as informações inclusive para os seus componentes interno e externo.
No início dessa semana a STN tornou público o informativo com as posições relativas ao mês de junho último sobre a matéria. O dado que mais chamou atenção da grande imprensa, sempre em busca de manchetes chamativas, foi o crescimento do valor total da dívida em relação à posição de maio, o mês anterior. Para quem está habituado a acompanhar esse tipo de variável, de fato não é lá muito recomendável ancorar as análises de comportamento de variações bruscas como essa apenas tendo em vista uma evolução de 30 dias.
No entanto, nesse caso tal informação mais recente vale como mote para comentarmos o que está ocorrendo com esse processo em uma perspectiva de prazo mais longo. Pois então, vamos aos números. O estoque total da dívida pública federal (DPF) atingiu o valor de R$ 2,96 trilhões no encerramento de junho de 2016. O valor é realmente elevado, correspondendo a R$ 2,84 tri de sua componente de dívida pública federal interna e de R$ 120 bilhões para a parcela externa desse endividamento.
Dívida pública cresce e investimento cai.
A informação que tem merecido maior destaque refere-se ao fato de que esse número representa um crescimento de 2,8% em apenas 30 dias. Um comentário mais apressado levaria à conclusão que o crescimento da dívida estaria ocorrendo à velocidade de quase 40% em 12 meses, caso esse índice fosse anualizado. Mas é sempre recomendável um pouco de prudência nesse tipo de análise. Na verdade, a dinâmica da evolução da dívida obedece a variáveis bem mais complexas, onde interferem aspectos como processo de novas emissões, quitações de valores antigos, entre outros.
No entanto, esse crescimento observado em junho pode ser útil para tratar do tema e nos remeter à análise do comportamento recente como tendência que permanece no tempo. Entre junho de 2015 e junho de 2016, por exemplo, o crescimento da total da DPF passou de R$ 2,58 tri para os atuais R$ 2,96 tri. Ou seja, esse crescimento de quase R$ 380 bi no estoque total representou uma evolução de 15% ao longo de 12 meses. Vale observar que pouquíssimas variáveis apresentaram uma evolução tão significativa quanto essa em nossa economia. Afinal, foi um ano marcado pela recessão das atividades econômicas, pelo aumento do desemprego, pela redução da renda das famílias, pela aceleração da falência das empresas, etc. O fato é ainda grave se pensarmos que a dívida cresce na ausência de novos investimentos públicos. Ao que tudo indica, trata-se de mero inchaço por dominância de sua esfera meramente financeira.
O mais dramático, por outro lado, é que o crescimento do valor total da dívida estaria em contradição com todo o discurso catastrofista articulado pela turma do financismo. Afinal, dizem eles, o essencial seria o governo conseguir gerar superávits primários expressivos e sucessivos para impedir o crescimento exponencial da dívida pública. E dá-lhe blá-blá-blá repercutido de forma acrítica pelas editorias de economia dos grandes órgãos de comunicação. E assim tem sido feito de forma sistemática há anos, por mais de uma década. A cada início do exercício o Ministério da Fazenda estabelece uma meta de superávit primário a ser atingida e lá se vai o governo a comprimir e contingenciar alucinadamente as verbas do orçamento nas áreas sociais e nos investimentos, sempre com o objetivo de atingir esse objetivo.. Ou seja, todo um esforço hercúleo para assegurar que não faltem recursos para o pagamento seguro exclusivamente das despesas financeiras do orçamento. Afinal, pela cartilha da ortodoxia essas últimas são sagradas e intocáveis.
Superávit primário e dívida pública.
Pois bem, ao longo dos últimos 12 meses o governo cumpriu exatamente com esse figurino e fez sua lição de casa. As páginas do Banco Central exibem o Relatório de Política Fiscal e lá podemos ver que foram gastos exatamente R$ 377 bilhões do orçamento para o pagamento de juros com a dívida entre junho de 2015 e junho de 2016. Isso significa que não apenas foram drenados esses valores impressionantes para as inúmeras instituições do sistema financeiro, como a armadilha da dívida ficou ainda mais escancarada, uma vez que o principal da dívida também sofreu grande aumento. Isso significa que o setor real e a maioria da população foram duplamente prejudicados nessa manipulação enganosa da política econômica e dos recursos públicos.
Caso alongarmos ainda mais o horizonte de comparação, percebemos que o estoque total da DPF cresceu mais de 50% em apenas 36 meses, o equivalente a 3 anos. Ela estava em R$ 1,99 tri em junho de 2013 e atingiu os atuais R$ 2,96 tri no mês passado. Essa elevação de quase R$ 1 trilhão ocorreu em contexto de poucos investimentos efetivos da União. Sua explicação encontra-se no âmbito da importância crescente adquirida na rolagem puramente financeira.
Esse é o verdadeiro retrato da dominação do financismo. Ao longo desse mesmo período de 3 anos, o Brasil comprometeu um outro valor acumulado de seus sucessivos orçamentos anuais, igualmente superior a R$ 900 bilhões, que foram destinados ao pagamento de juros e serviços financeiros da dívida pública. Uma loucura absolutamente irresponsável! E ainda mais se levarmos em conta todo o esforço que vem sendo realizado ao longo dos anos para reduzir os gastos primários (saúde, educação, previdência social, pessoal, investimentos e outros), sempre em nome da tal da responsabilidade fiscal.
Esses dados são mais uma comprovação de que é essencial romper com a lógica da hegemonia do capital financeiro e sair urgentemente da armadilha do superávit primário. Caso contrário, seguiremos nessa pinguela para o passado, descendo ladeira abaixo rumo à maior desigualdade e ao subdesenvolvimento desindustrializado.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.