A Ditadura Paraguaia

Por Bruna Borges.

A crise democrática atual do Paraguai suscitou uma série de discussões sobre a política paraguaia e, principalmente, latino-americana. Muitas vezes deixada de lado nos estudos brasileiros, a história paraguaia mostra-se imprescindível para a compreensão da política latino-americana. O Paraguai, que vivia um processo democrático desde a última Ditadura Militar (1954-1989), enfrenta uma das mais severas crises políticas de sua história do século XXI.

O ex-presidente Fernando Lugo, eleito em 20 de abril de 2008 com 41% dos votos, rompeu com uma hegemonia de mais de seis décadas do Partido Colorado (partido tradicional e de direita) na presidência paraguaia, incluindo os 35 anos de Ditadura Militar. Ex-bispo católico ligado aos movimentos sociais de esquerda, Lugo tem um histórico de atuação com os sem-terra paraguaios. Os conflitos agrários vêm crescendo no país e culminou no conflito de Curuguaty, estopim para o processo de impeachment que destituiu Lugo da presidência.

Em 15 de junho de 2012, um confronto violento entre policiais e sem-terra deixou 17 mortos (11 trabalhadores rurais sem-terra e 6 policiais) na reintegração de posse de uma fazenda perto da fronteira com o Brasil. Este conflito foi uma das razões citadas pelos congressistas para destituir o presidente; com um Parlamento cuja maioria era de direita e formava a oposição, o impeachment foi votado e o resultado foi 39 dos votos a favor e apenas 4 contra. No lugar de Fernando Lugo, assume o vice-presidente Frederico Franco, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), que rompeu com a coligação de Lugo há um ano atrás.

O processo relâmpago de impeachment chamou atenção dos líderes políticos do mundo todo, principalmente dos países latino-americanos; considerado por muitos desses como um golpe político, remete a uma inevitável associação com o ultimo período ditatorial do país que teve início em 1954 e terminou apenas em 1989, com outro golpe político.

Ditadura Militar Paraguaia (1954 – 1989)

A história paraguaia é marcadamente militar, pois as mudanças políticas sempre foram acompanhadas de grandes eventos militares. As Forças Armadas atuaram como agente político e ator importante no controle do Estado dada a vitória paraguaia na Guerra do Charco (1932-1935) – guerra contra a Bolívia, cuja reivindicação boliviana era a saída para o mar. Esta guerra e sua consequente vitória permitiram aos militares definirem sua identidade e desfrutarem de alta simpatia da população.

Entre os anos de 1936 e 1954 o Paraguai enfrentou uma série de golpes e contragolpes, sempre com a atuação determinante das Forças Armadas e dos partidos políticos mais influentes da cena política, o Partido Liberal, Partido Corolado e Partido Febrerista. A partir de 1948 houve um domínio governamental colorado, neste período os partidos opositores foram duramente perseguidos, e seus militantes, em sua maioria, foram exilados. O domínio governamental colorado (1948 a 1954) garantiu a filiação partidária dos membros das Forças Armadas e da Polícia.

Foi nesse cenário político de sucessivos golpes, violentas perseguições, hegemonia e fortalecimento do Partido Colorado e da imagem das Forças Armadas, caracterizado pelo terror político, que se desenhou a ascensão política do general Alberto Stroessner. Com a queda do presidente Frederico Chávez, por um golpe em maio de 1954 arquitetado por Méndez Fleitas, aliado de Stroessner, o então chefe das Forças Armadas. Foi nomeado como presidente Tomam Romero e, em 11 de julho do mesmo ano, em eleições sem concorrência, Stroessner articulou para ser candidato único do Partido Colorado e ganhou as eleições com 99% dos votos e em 15 de agosto assumia a presidência da República.

O general teve o apoio da base política colorada, da oligarquia agropecuária e dos Estados Unidos, que transformou o Paraguai em um laboratório da Doutrina de Segurança Nacional. De acordo com Miguel López em A construção Social dos Regimes Autoritários, pouco depois que assumiu a presidência, Stroessner se reuniu com membros do Comando Sul dos Estados Unidos e ali assinou um pacto com os altos oficiais americanos e brasileiros em que se comprometia a barrar qualquer crescimento ou avanço dos comunistas.

Por chegar ao poder em um momento de instabilidade, Stroessner apresentou um discurso pacificador e teve sua imagem associada ao propósito modernizante. Sua política não diferiu substancialmente das demais ditaduras militares da América Latina, perseguiu e torturou seus opositores; recebeu investimentos financeiros dos EUA; atuou contra o comunismo; criou redes de apoio e defesa; desestabilizou as instituições democráticas, etc.

A ditadura impôs a filiação partidária ao Partido Colorado como condição primária para ter acesso a cargos públicos, para ingressar na Universidade, e muitas vezes a exigência da filiação acontecia também no setor privado, nas empresas cujos proprietários eram aliados do regime. Sendo assim, o Partido Colorado se constituiu como a base social da Ditadura Militar paraguaia; os sindicatos de trabalhadores, o movimento estudantil e outros setores que poderiam atuar como opositores do regime eram amplamente formados por colorados, deixando assim a oposição cada vez mais débil.

Outro fator importante para a manutenção desse regime militar foi a criação da rede de delação no país. Funcionando como órgão de controle social, o governo criou a cultura da traição e da denúncia. Os chamados pyrague (em Guarani, delator, espião), formaram um verdadeiro exército que levou milhares de homens e mulheres ao cárcere, tortura e desaparecimento. A sociedade vivia com medo, pois qualquer um poderia ser um espião em potencial. Existiam aqueles que eram agentes permanentes e que recebiam até salários do governo, como também cidadãos que denunciavam simplesmente para não serem acusados de omissão.

No campo econômico o Paraguai assistiu durante a ditadura Militar de Stroessner um intenso crescimento. Os agropecuários se fortaleceram com o aumento de fluxo de capitais estrangeiros, com a isenção de impostos e créditos a juros baixos. Da mesma maneira que o setor industrial também tirou suas vantagens, principalmente com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, que teve um investimento de 18 bilhões de dólares e fez surgir uma nova classe de ricos, chamados barões de Itaipu. Esse crescimento certamente não alcançou a maioria da população, dados apontam que 1% da população detinha 80% de toda a riqueza nacional.

A partir dos anos de 1980, a ditadura militar de Stroessner começou a perder força, motivada pela desaceleração econômica e um novo golpe de Estado foi planejado por alguns setores do Partido Colorado, nos dias 2 e 3 de fevereiro de 1989 um novo golpe destituiu o ditador da presidência paraguaia. A longa sucessão de governos autoritários e militaristas salienta uma característica política autoritária na história paraguaia. Uma das maiores preocupações de Stroessner era travestir seu governo autoritário com um manto de legitimidade, ou seja, buscou manter uma fachada democrática e institucional. A convocação rotineira de eleições, sistematicamente fraudulentas confirmaram sempre expressivos resultados eleitorais favoráveis ao Partido Colorado.

Durante a Ditadura Militar e personalista do general Alfredo Stroessner, dezenas de milhares de paraguaios e paraguaias foram detidos, torturados e levados ao exílio – aproximadamente um terço da população segundo organizações de direitos humanos. Os números são imprecisos, mas indicam que alguns milhares de cidadãos podem ter sido assassinados pelo regime. Assim como as demais ditaduras latino-americanas, não cabe medir o grau de brutalidade e intensidade pelo número de mortos e vítimas por elas geradas, a ditadura paraguaia deixou marcas profundas em sua sociedade, gerou traumas e ressentimentos presentes até hoje; como toda ditadura, esta cerceou liberdades e foi cruel.

Assim como ocorreu outrora, a tentativa de travestir golpes e regimes autoritários com uma fachada de legalidade é recorrente na política paraguaia e latino-americana. E, por isso, temos que observar com cuidado o fato ocorrido em junho de 2012 no Paraguai. A destituição de Fernando Lugo é considerada pelo Partido Colorado como fato jurídico estritamente legal e democrático. Assim como salienta o jurista Luis Regules, “quase todos os golpes de Estado na América Latina se deram com apoio parlamentar. É uma história de tristes resultados que insiste em se repetir cada vez mais como farsa. Ação foi vista por muitos países latinos como um golpe de Estado e pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul) como uma “violação da ordem democrática”.

Fonte: Historiando.net

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