Por Roberto Antonio Liebgott, para Desacato. info.
No Brasil estão morrendo pela Covid-19 mais de duas mil pessoas por dia e, provavelmente, esses números vêm sendo subnotificados. Somente no dia 11 de março, a cada 36 segundos uma pessoa perdeu a vida em nosso país. Os hospitais estão superlotados e, nos seus entornos, as pessoas amontoam-se em filas intermináveis. Sem esperança, vemos nossos conhecidos, amigos, parentes e familiares morrerem por falta de atendimento e até por falta de oxigênio.
Aquilo que antes parecia ficção – de que se faria a escolha de Sofia, onde houvesse a necessidade de escolher, entre os doentes, quem deveria viver ou morrer – tornou-se uma prática dramática. Esta realidade cruel abala profundamente os profissionais de saúde, perturbando-lhes mais do que a possibilidade de se contaminarem e irem a óbito. Tristemente, de acordo com a Folha de São Paulo, morre no país um profissional de saúde a cada 19 horas. A imunização, que poderia conter a mortandade, vem sendo relativizada a cada dia, devido à escassez de vacinas.
Há um completo desgoverno. O país parece um caminhão sem freios, descendo por uma ribanceira rumo ao abismo. Mesmo diante desta situação, veículos de comunicação erram ao dar ampla cobertura, em seus noticiários, às palavras e expressões chulas de Bolsonaro, ou de seus filhos e alguns ministros, promovendo-se a distração das pessoas e deixando de alertar, na forma devida e contundente, a situação de caos instalada em nosso país. Neste ambiente de profunda crise sanitária, preocupam-se em difundir e fazer repercutir, exaustivamente, as manobras políticas na Petrobrás, na operação Lava Jato, nas decisões do ex-juiz Sérgio Moro e no julgamento de Lula, se foi legítimo ou ilegítimo. E, lamentavelmente, deixam de dizer que o Bolsonaro vem militarizando toda a administração pública federal, o que pode ser caracterizado como o prenúncio de um golpe a curto ou médio prazo.
Os que gerenciam efetivamente o país, os grandes conglomerados econômicos – o sistema financeiro, os grandes empresários, o agronegócio, as empresas de medicamentos e de energia – ditam o ritmo da vida e da morte. Concomitantemente promovem, todos os dias, a difusão de “novidades” midiáticas para distrair a população. É como se as pessoas estivessem amarradas e prontas a serem incineradas, mas antes de sofrerem o castigo final, lhes são oferecidos palhaços, ilusionistas, mágicos ou pastores, distraindo-lhes alguns minutos antes da dor e da morte. E com a diversão e o espetáculo, as pessoas são iludidas e conformadas, não enxergam saídas para resistirem ao aprisionamento e romperem com o sofrimento que lhes impuseram.
A direita, dentro de nosso país, parece ainda mais diabólica em relação a outras nações. Aqui, nesta terra de tanta gente solidária e também de grandes disparidades econômicas, culturais, políticas e educacionais – onde coabitam distintas camadas sociais, desde aqueles muito ricos, de ricos, dos quase ricos, dos que pensam que são ricos, dos pobres, dos mais pobres, dos que pensam que são pobres, dos excluídos de tudo, dos resíduos humanos e descartáveis – o ambiente torna-se propício para o sistema que governa a todos no exercício da desinformação, manipulação e dominação.
Os de cima, as elites, não se preocupam com os de baixo, porque os aprisionam e decretam até quando estes sujeitos poderão viver ou morrer.
No Brasil de múltiplos povos e suas diversidades se vive o pior dos tempos. Não há um sinal de ruptura – uma porta aberta – além daquela que permite apenas esperar pela fogueira acesa, que consome dia após dia os corpos dos mais pobres.
Difundem com ênfase, ocasionando euforia numa parcela da população, em outra preocupação e até um certo inconformismo, cinco anos depois do início dos processos e das condenações do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, que determinou a nulidade de todos os processos existentes na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba contra Lula e, com isso, libertou-o da inegibilidade. Vale destacar que Lula, mesmo concorrendo às eleições presidenciais em 2022, não representará a redenção dos pobres e dos pisoteados por governos anteriores e pela des-governança de Jair Bolsonaro. Não há redenção sem uma grande coalizão das forças sociais e populares com os pobres, com os povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais, aqueles caracterizados como os de baixo.
Neste contexto, o STF tem sido visto como uma espécie de teatro dos espetáculos jurídicos, trazendo divertimento midiático e a ilusão de que se esteja promovendo, mesmo que tardiamente, a justiça. Há, no entanto, a necessidade de muito discernimento e atenção, pois as alianças, no andar de cima da pirâmide social, ocorrem entre aqueles que governam por dentro do desgoverno de Bolsonaro. Estes, do andar de cima, nunca dormem, porque seus lucros são os seus prazeres e a morte dos outros a sua diversão.
Romper com as amarras e abrir as portas para um novo tempo de paz, justiça e igualdade, nas diferenças, é um desafio a ser enfrentado não pelos de cima, mas pelos desvalidos, aqueles lançados à incineração. Há, no entanto, que se desamarrar, querer sair da condição de aprisionados.
O Bem Viver exige a ruptura, que será possibilitada e realizada por aqueles que sofrem, nunca pelos que alimentam as injustiças. E, no atual contexto, a morte dos outros parece ser e predileção de quem gerencia o país. Mudar a história e criar caminhos de libertação acontecerá quando os de baixo se mobilizarem, porque quando estes – os de baixo – se movem, os de cima caem.
Porto Alegre, 12 de março de 2021.
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Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.