Por Bernardo Barranco V., no La Jornada | Tradução: Antonio Martins
A direita conservadora, em particular a anglo-saxã, quer que o pontificado de Jorge Bergoglio chegue ao fim. Dois livros com o mesmo título – The next Pope – publicados por esta corrente ambicionam criar uma atmosfera de fim de pontificado e buscar desde já o sucessor de Francisco. É compreensível o alarme midiático da direita pela saúde frágil de Benedito XVI, considerado o verdadeiro Papa, em contraposição a Francisco, o Papa terceiromundista, o pontífice de um surpreendente progressismo católico. Esta direita, com tendências a cisma, luta por uma hermenêutica de continuidade de João Paulo II e Bento XVI. Não tolera as rupturas de um pontificado latino-americano plebeu, ainda que este apoie-se no Concílio Vaticano II. Depois de sete anos, Francisco deve ser substituído ou eliminado. Por isso, a direita estadunidense, talvez imbuída da atmosfera eleitoral dos Estados Unidos, arma um clima antecipado de conclave sucessório.
O primeiro livro foi escrito pelo reconhecido historiador George Weigel; o segundo, pelo jornalista Edward Pentin, correspondente em Roma do National Catholic Register e colaborador habitual da rede de TV conservadora EWTN. Este último teve a audácia de propor candidatos para um hipotético conclave que afaste do cargo um pontífice de 83 anos que goza de ótima saúde e pleno domínio de seu poder pontifício. O texto é uma provocação – pois o Papa está vivo – e, portanto, uma proposta editorial desleal. Trata-se de um ataque político disfarçado à liderança de Francisco, cujo fim do pontificado pretende-se antecipar. O precedente da renúncia de Bento XVI sugeriria que não é preciso esperar necessariamente a morte de um Papa para eleger um sucessor. Francisco poderia decidir, também, converter-se em emérito. Como no filme da Netflix, Dois Papas, Bergoglio poderia tornar-se o grande eleitor do próximo Papa. Em uma entrevista, o autor do livro afirmou: é possível que possa renunciar e há muitas teorias a estes respeito. Uma assegura, sempre segundo Pentin, que Francisco esperaria primeiro que Bento morra. Bergoglio tentaria indicar o cardeal filipino Luis Antonio Tagle. Outros creem muito pouco provável que Bergoglio renuncie, em especial porque mantém planos de reformar a igreja.
O livro de Pentin, que tem por subtítulo Os principais cardeais candidatos, foi editado pela Sophia Institute Press, uma instituição conservadora. Em mais de 700 páginas, oferece os perfis de 19 supostos candidatos a papa. A justificativa é explícita: trata-se de chegar ao conclave com a maior informação possível dos candidatos. A obra é uma detalhada compilação de informações sobre cada um dos cardeais que se apresentariam para uma nova era pós-franciscana. O texto reflete uma visão bastante obcecada sobre o estado da igreja. Em Roma, circulou o rumor de que a investigação dos 19 papáveis propostos foi fruto de minuciosas investigações do FBI e dos registros da CIA. Mostraria o interesse e impaciência do governo de Donald Trump por deslegitimar um líder internacional antagônico aos interesses atuais da Casa Branca.
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Pentin aponta diversos candidatos, mas predominam os conservadores. E é claro que há, na lista, vários ultraconservadorres, como o cardeal norte-americano Raymond Burke e o guineano Robert Sarah, que se distinguiram por oposição aberta às posturas de Francisco. Poucos são progressistas – como o mencionado Tagle, cardeal emérito de Manila e atual Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos e presidente da Caritas Internacional. Também figuram personagens ao centro, como o secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, que teria o suposto inconveniente de ligação estreita com Francisco. Praolin mantém perfil baixo, é italiano e condescendente com a beligerante ala conservadora. Tem 65 anos e seria capaz de produzir um consenso entre as alas em disputa. Homem de aparato e diplomático, jamais foi, porém, bispo de diocese – ou seja, não tem “perfil pastoral”. Pentin excluiu de sua lista quatro dos seis cardeais de peso, que assessoram atualmente Francisco. São eles Reinhard Marx, arcebispo de Munique e ex-presidente da conferência episcopal alemã; Oswald Gracias, arcebispo de Mumbai; Giuseppe Bertello, presidente da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano e Óscar Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa, Honduras.
O atual colégio de cardeais que elegeria o novo papa parece equilibrado. Nele, 66 dos eleitores (54%) foram nomeados por Francisco, 40 por Bento XVI e 16 por João Paulo II. O papa argentino criou 88 cardeais, muitos não elegíveis por idade. Francisco privilegiou o Terceiro Mundo: 17 países têm pela primeira vez um cardeal. O Colégio Cardinalício também é menos europeu – estes constituem 41% – e, em seu conjunto, os prelados têm menos experiência burocrática no funcionamento do Vaticano.
Francisco é alvo de severos questionamentos na Europa e Estados Unidos, onde se busca minar sua autoridade e abrandar suas reformas. Nos ataques, estão envolvidos também políticos, governos e empresas que anseiam por um Papa a seu gosto.
Editorial do dia 21 de agosto de 2020
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