A desmilitarização da Polícia

Por Thiago Burckhart, para Desacato.info. 

Já há alguns anos é crescente o debate sobre a desmilitarização da polícia no Brasil. Trata-se de um tema polêmico para uns e necessário para outros, que enxergam a indispensabilidade dessa medida e de construir institucionalmente uma outra concepção de polícia, que não seja a mesma que a militarizada. Dentro do cenário em prol da desmilitarização, que já acena ser a opinião pública dominante, ainda não existe consenso de qual modelo perseguir, mas há consenso da necessidade de mudar.

Repressão

As manifestações de Junho de 2013 evidenciaram a truculência impetrada pelas polícias militares principalmente nos grandes centros urbanos de nosso país, onde manifestantes foram agredidos e espancados. Entretanto, esse não foi um epifenômeno, algo repentino e que, por isso, ganha notoriedade, mas trata-se de uma violência estrutural e diária, que segundo dados do 5º Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil, do Núcleo de Estudos sobre Violência da USP, entre 1993 e 2011 ao menos 22,5 mil pessoas foram mortas em confrontos com a polícia paulista e carioca (somente nesses dois Estados). Isso é uma média de 1.185 pessoas por ano, cerca de 3 a cada dia. Esse é um dado alto para um Estado Democrático de Direito que não prevê em seu Código Penal a pena de morte.

Assim, a militarização da polícia segue como um empecilho para a democratização do Estado brasileiro, que se encontra em meio a um caos quando se trata de segurança pública. A militarização da polícia, fruto do regime ditatorial militar brasileiro (1964-1985) impõe a lógica da hierarquia extrema bem como da eliminação do inimigo interno, ou seja, o cidadão. Assim, os cidadãos são vistos como inimigos pela própria polícia de Estado, que está à serviço da proteção dos interesses do Estado e do capital. Esse é um dos motivos da truculência de suas ações, que demonstram uma falta de preparo para com a sociedade já que estão imersos dentro de um sistema que induz a uma ideologia da repressão.

Há, portanto, que se inverter essa lógica e criar uma polícia comprometida com a proteção dos direitos humanos e da cidadania, a partir da construção de uma lógica cidadã. A violência policial no Brasil é uma das maiores do mundo, e isso ocorre em grande medida em virtude do treinamento militar de agentes que consideram civis como inimigos. Isso somados ao fato de que os problemas sociais e mesmo problemas de saúde pública são tratados no Brasil como caso de polícia, evidencia-se um verdadeiro genocídio.

Para onde mudar?

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) já recomendou em 2012 ao Brasil a desmilitarização da polícia e sua unificação na polícia civil. O governo federal brasileiro respondeu à ONU no sentido de que trata-se de disposição constitucional que prevê a polícia militar, não estando ao alcance de sua competência promover essa mudança, cabendo-a ao Poder Legislativo. Nesse mesmo sentido, uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e com o Ministério da Justiça em junho/julho de 2014, mostra que 73,7% dos policiais apoiam a desmilitarização, visto que entre os policiais militares, o índice aumenta para 76,1%.

Além dessas, a pesquisa Índice de Confiança na Justiça 2013 (ICJ Brasil), indica que 77% da população com renda inferior a dois salários mínimos não confia na polícia. Já entre os que possuem rende superior a dez salários mínimos o índice ainda permanece alto com 59%.
Esses dados, bem como a pressão política no plano internacional, evidenciam a necessidade de mudar o sistema de policiamento militar. Contudo, as transformações ainda encontram resistência dentro da próprio polícia como também em alguns setores da sociedade civil.

Além disso, não existe consenso para onde seguir. A proposta mais recente e mais conhecida é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 51/2013, de autoria de Lindbergh Farias (PT-RJ), que prevê a fusão entre a polícia militar e civil e a criação de uma carreira única para os policiais. Ademais ainda prevê uma integração na investigação criminal, que hoje ficam somente a cargo da polícia civil. Contudo, essa não é a única proposta: a PEC 430 de 2009, de autoria de Celso Russomano (PP-SP), prevê ainda a desmilitarização dos corpos de bombeiros.

Assim, esse seria um grande passo para a melhora das condições de segurança pública no país, que deve servir para proteger os direitos humanos e a cidadania e não impetrar a truculência. Essa é uma grande questão a ser debatida pela sociedade civil organizada, de modo a encontrar a melhor saída em prol da cidadania e dos direitos humanos.

*Estudante de direito

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