A desconstrução do Brasil

A história das nações é uma história de construção política, mas hoje minha sensação dolorosa é a de que estamos desconstruindo o Brasil. Desde 1980 a economia brasileira cresce pouco mais de 1% ao ano, per capita; nos dois últimos anos essa renda caiu cerca de 8,4%; o desemprego alcança índices inimagináveis; os resultados decepcionantes do PIB trimestral e da indústria sugerem que a recessão se estenderá por mais um ano. O baixo crescimento está associado ao regime econômico liberal-conservador instaurado pelas “reformas”: abertura comercial e financeira de 1990-92, as desnacionalizações e privatizações de 1995 e o “tripé macroeconômico” de 1999.

Nesse quadro, o crescimento teria que ser necessariamente baixo, porque duas das pernas do tripé impedem o investimento e o crescimento: juros altos (“meta de inflação”) e câmbio apreciado no longo prazo (“câmbio flutuante”). E teria que ser entremeado de crises financeiras (1998, 2002, 2015), porque a moeda nacional apreciada e os correspondentes deficit em conta-corrente são desejados pela ortodoxia liberal, que os identifica com “poupança externa”, a qual aumentaria os investimentos.

Na verdade, os deficit desejados apreciam o câmbio, aumentam o consumo e a dívida privada e levam o país à crise financeira. Em 2003 Lula chegou ao poder. Em seus oito anos de governo manteve o regime liberal-conservador intacto; os rentistas continuando a capturar 6% do PIB graças a uma taxa de juros altíssima.

Lula apenas usou o excedente produzido pelo boom de commodities para aumentar o salário mínimo e as transferências aos pobres. Dessa maneira, rentistas e financistas, que já eram os grandes beneficiados do sistema, continuaram a sê-lo, mas agora a eles se juntavam os pobres. E a classe média tradicional? Foi esquecida, tanto no período conservador (1990-2002) quanto no social-democrático (2003-2014). Frustrada e indignada com a corrupção generalizada, em 2013 a classe média fletiu para a direita liberal.

Antes disto, em 2011, Dilma Rousseff tentara mudar esse regime ao baixar a taxa de juros, mas o câmbio estava enormemente apreciado, e as empresas industriais, sem lucro, não investiram. Não podiam investir. Como a baixa dos juros não foi acompanhada de ajuste fiscal, a inflação aumentou, a crítica generalizou-se, e o governo bateu em retirada.

Em 2013, já sem apoio na sociedade, decidiu adotar injustificável desoneração de impostos, que destruiu o equilíbrio fiscal que prevalecia desde 1999. Reeleita, a presidente viu-se diante de crise financeira -a principal causa da recessão. Não uma crise de balanço de pagamentos, nem uma crise bancária, mas uma crise financeira das empresas, quebradas pelos juros altos e o câmbio apreciado.

Para enfrentá-la, acreditou na tese ortodoxa de que a falta de investimentos era problema de “confiança” e nomeou um ministro liberal, que, em plena recessão, realizou um ajuste fiscal. As empresas continuaram sem poder investir, a crise agravou-se. Seguiu-se o impeachment. A ortodoxia liberal, agora no poder, só viu dois problemas: a inflação (já vencida) e a crise fiscal (que a recessão agravara). Enfrentados eles, novamente a “confiança” e os investimentos voltariam. Continuou assim a manter os juros altíssimos e a cortar os investimentos públicos. Previsivelmente, a crise econômica aprofundou-se, já que as oportunidades de investimento deterioraram-se ainda mais, ao mesmo tempo em que o governo perdia apoio político. A desconstrução do Brasil está em marcha.

Fonte: Controvérsia. 

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