A democracia em Florianópolis

Por Elaine Tavares. 

O mundo liberal burguês criou o mito da democracia como sendo a possibilidade que o povo tem de escolher seus representantes. Vota-se a cada dois anos, para prefeito, vereador, deputado estadual, federal, senador, governador e presidente. E tudo está feito. Fez-se a democracia. Os eleitos, que na campanha prometem defender as causas do povo, ao assumirem os cargos passam a defender os interesses de quem financiou a campanha, o que nunca é o povo. No geral são empresários, grupos de interesses específicos, que cobram a fatura. Assim, o povo fica a ver navios, esperando pela próxima campanha, na qual os candidatos farão as mesmas promessas.

Estamos em campanha agora. Os mesmos caras que governam a cidade há décadas expõem suas propostas como se nunca tivessem estado no poder. Falam de melhorar o transporte, a saúde, a segurança, tem quem queira colocar GPS para que o povo saiba onde está o ônibus, os que vão criar creches 24 horas e nas férias, para que as mães possam trabalhar tranquilas. Enfim, um festival de bobagens. Na outra ponta, as gentes, alucinadas com a dura tarefa de sobreviver, que se encantam com a tela fosforescente e acreditam nas promessas. Sem tempo para pensar a realidade e se organizar numa verdadeira democracia participativa, acossadas pela necessidade de ganhar a vida, as pessoas preferem crer nos representantes e esperar que eles os salvem. Não é assim, nem nunca será.

Esta semana a prefeitura organizou uma cena digna de compaixão. Juntou trabalhadores do Posto de Saúde do Campeche e da região, famílias amigas, políticos inescrupulosos e propuseram uma obra ao bairro: um novo Posto de Saúde, desta vez próprio, pois o que tem está em casa alugada. A prefeitura recebeu uma grana do PAC e precisa gastar tudo até o final do ano. Estava com pressa. Aproveitou as eleições e colocou para o povo a possibilidade da construção do Posto no mesmo lugar onde a comunidade, há décadas, pede a criação de uma Parque Cultural. Pois algumas lideranças comunitárias, dessas que estão na luta orgânica desde sempre  foram à reunião para tentar explicar que o Campeche tem muitos outros terrenos onde o Posto pode ser construído. Por que escolher o lugar do parque?

Na verdade, quem luta no Campeche sabe porque a prefeitura veio com essa proposta. Porque o Parque Cultural é uma proposta do movimento popular, dos que lutam por uma bairro-jardim, por vida boa para todos, dos que batalham por espaços de convivência que integrem e organizem a comunidade. E essas coisas tem de ser destruídas pelo poder instituído. Impor uma derrota ao movimento, esfacelar os sonhos, dividir as gentes.

E foi o que se viu. Moradores contra moradores, pessoas simples, gente que convive diariamente e sofre a falta de espaços de lazer e de organização, acusando os lutadores sociais de estarem contra o Posto de Saúde.  Ou seja, desvirtuando completamente as coisas. O que se propunha era o Posto em outro lugar. E há terra demais para isso. E não teve jeito. Como a prefeitura havia organizado as famílias e os trabalhadores, a proposta passou. Derrota para o movimento social, desgaste, tristeza. As lutas de anos a fio indo pelo ralo.

Não bastasse isso, os vereadores da cidade, na surdina, sem divulgação alguma, e no apagar das luzes antes das eleições, aprovaram uma série de alterações de zoneamento, quando todo o movimento de luta por um Plano Diretor vem exigindo um defeso nessa área. E o que significa isso? Que não deve haver alteração de zoneamento enquanto não se decidir o plano diretor. Isso foi decisão das comunidades, das gentes que estão há mais de cinco anos discutindo o Plano Diretor. Mas quem diz que vereador representa o povo? Eles representam os interesses imobiliários, dos poderosos, dos ricos. E, surdos às gentes, aprovaram proposta do vereador Dalmo de Menezes (candidato de novo)  alterações na lei que limita o número de andares nos prédios do Cacupé, abolindo a decisão do povo que exigia a continuidade da regra dos dois pavimentos. Aprovaram ainda outra lei que altera zoneamento no Campeche, de autoria do vereador João Aurélio (candidato de novo). E outro do Dalmo Menezes que incentiva a construção de shopings na cidade, e mais outros quatro projetos que também alteram o zoneamento de áreas no Saco Grande, Vargem Grande, Pântano do Sul e Centro, apresentados pelos vereadores Ricardo Vieira e Jaime Tonelo (candidatos de novo). Candidatos de quem?

“Ah, mas tem um que cria um parque”, pode dizer algum mal-intencionado. Não importa. O que tem de ficar claro é que os movimentos sociais, as pessoas envolvidas com a construção do plano diretor haviam decidido pelo defeso. Por que não são escutadas? Porque o que vivemos não é uma democracia. Porque o que manda é o poder financeiro, os caras que investem, que criam negócios altamente lucrativos para muito poucos.

A democracia deveria ser a aceitação da decisão da maioria. Mas isso é burlado todos os dias, em quase todos os espaços. E quando o poder quer fazer passar seus interesses eles arranjam a maioria, levam pessoas, compram corações e mentes, muitas vezes ingênuos, acreditando fazer bem à comunidade.

E assim vamos seguindo nessa cidade triste, onde a voz das gentes não é escutada. Mas, cada derrota sofrida serve de mola para que a luta siga. E os que estão aí por anos a fio batalhando por uma cidade boa de viver não se abatem com as manobras governistas e com a ação dos que praticam a pequena política. Tem muita gente que consegue levantar o véu dessa democracia de mentira, consegue ver o que está debaixo do pano, consegue compreender e encontra forças para avançar.

O Campeche, lembra a educadora Telma Piacentini, é espaço de surfistas e eles nos ensinam todos os dias que sempre vem uma onda melhor. Eles ficam ali, deitados na prancha, esperando por ela. E quando ela vem, eles assomam, cavalgam e domam. Hoje, os vereadores, a prefeitura e os pequenos políticos nos pegaram…Mas é bom que saibam, estamos aqui, na prancha, esperando a onda. E ela vem… ela sempre vem…

Foto: http://aliancadosulpelanatureza.blogspot.com/ 

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