Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
A dama deitara em seus lençóis de sonho e aguardava o rapaz que de tão voraz, mais tão voraz, indelicado, despejava pelo ralo qualquer fragmento de encanto. Insistia na pressa desmedida para, enfim, livrar-se da tão temida calça enquanto ofegava sua necessidade. A dama o tomou em sua calma e desenhou em seu sossego os minutos seguintes que seriam vividos. Pintou com cores que o convidavam ao delírio, longe da violência posta nos gestos do mesmo e o presenteou com grande pedaço de doçura:
-Que se faça alegria neste leito, homem. Que se esqueça o tempo.
O rapaz, teimoso, pouco dado à escuta, a tomou de forma bruta como, achava, se fazia nos vídeos que o ensinavam e a mordia com fome e pressa. A lambia com excesso. Boca, pescoço, barriga, sola de pé. Não se sabe com que autorização, contudo achava que podia, sim, fazer o que quisesse. A dama, partidária ao bom antes, durante e depois, fez breve porém intenso pouso na memória do drink de pouco antes e insistiu, acompanhada de sua elegância, no bom êxito do durante. Pra isso eis a fé! Não esqueceu o depois. Mas isso é só depois. Porque o agora carregava desconforto e constrangimento em doses grandes e não havia nela, obviamente, apresso pelo caminho trilhado. Havia crescente nojo e dor. O rapaz jogou a camisa para o alto e mal se tocou que a mesma, ao cair, travou o ventilador, aumentando consideravelmente a presente quentura do lugar. Além, explodiu em termos depreciativos e insistentes tentativas de repetição por parte da dama sobre o que ele gostaria de escutar. Chegou a ensaiar o tom para tal. Pois a coisa desandava. Não melhorava. Era só um corpo buscando o que se sequer. Individual, objetivo e sedento. Movimentos repetidos e solitários. O suor, natural consequência, virou também transtorno. Remeteu ao antes. Aos tantos antes ali, em suor, respirações ofegantes, conversas apressadas e finais tão iguais. Por certo, expressavam seus desejos, mas insistiam em sair da linha proposta, acordada e adentravam o constrangimento, a desnecessária raiva. A dama era mulher atenta. Só bastasse ambos alcançarem o desejado com respeito, mas não. Por tantas e tantas vezes se apresentavam raposas de faro pouco apurado que estava acostumada. Conforme dito, a dama era mulher atenta. Possivelmente conseguia ler o que se pretendia o presente. Talvez para fins de tranquilidade, concentrava esforços para mudar nas situações como esta, deste instante. Busca o menor desconforto pelo bem de seus cabelos e sono. Pois bem. Dada toda a conjuntura, o rapaz alcançou o que queria e a dama respirou aliviada pela conclusão. Melhor que fosse logo por seu caminho seja lá onde este fosse dar. Que saísse logo pela porta, conferisse seus bens e a deixasse seguir em seu trabalho. Tão melhor. Assim quase foi. O rapaz se aproveitou de seus últimos momentos sob a luz vermelha e disparou em riso:
-Puta! Olha só! Foi uma merda. Não sei se valeu o preço.
Não houve espanto ou mesmo surpresa. Os próximos momentos definiram a resolução. Para tal, tinha um leque. Assim o fez. Aguardou com calma a conclusão de sua fala que se apresentava calma e distante do enrosco de vestes para se alcançar o nu. Tentou finalizar a questão:
-Pois já foi. Como você agora precisa ir. Vá! Tome seu caminho que preciso seguir.
Assim quase foi. O rapaz levantou e iniciou a procura de qualquer coisa num canto na qual dificilmente teria perdido algo. O espaço era dela e organizado por ela, logo, que diabos teria dele ali? Foi o que se perguntou. Teve o silêncio. Levantou suavemente da cama e teve uma certeza: não daria tempo de contar com os seguranças. O rapaz “escolhia” um objeto do lugar para ser seu. Pequena apropriação. A dama, sedenta por um trago, sorriu por dentro pois percebeu que o trago, no momento que fosse possível, seria além de prazeroso, necessário:
– Peço educadamente e pela última vez que vá!
O rapaz sorriu e a dama também. Acertou-lhe em cheio o rosto com sua esquerda. Era canhota. O rapaz deu um breve passo na irracionalidade ao erguer a mão para revidar. Breve passo. Volto rápido ao constatar que estava errado. Melhor. Que haviam muitos seguranças na casa. Riu outro riso e a dama o presenteou com mais um, seguido de gritos para que sumisse. Saiu apressado e teve tempo de ainda ganhar um último pontapé nas nádegas. Se foi. A dama sentou, acendeu um cigarro e buscou o lugar de tranquilidade que necessitava. Era preciso seguir. Era preciso banhar-se. A noite continuava. Juntou as roupas que colocaria pra lavar e teve breve surpresa: o rapaz levara sua calcinha. Menos mal dado ao que acontecera:
-Era o único troféu possível.
—
Escrita envolvente!
Deliciosa apreciação para um dia frio! ?