O início de um ano não carrega em si apenas esperança. Por mais mandinga que se faça, por mais que se ore, que se implore a quem quiser, tem ano que simplesmente não vai; nem no tranco. Olhando de longe, lá de dezembro, a gente já bate o olho no ano novo e saca de cara quando ele vai ser treta. Tem ano que é dose. Ao que tudo indica, 2019 será desses anos, aos menos para nós, brasileiros.
A obscuridade paira no horizonte e o futuro é um breu só. O clima está esquisito, o sorriso não vem fácil no rosto e até a caipirinha das férias desce torta e bate feito soco no estômago enojado pela realidade. O ano que mal começou, que engatinha pelos dias preguiçosos de janeiro, trouxe em seu lombo notícias terríveis em relação à cultura e deixou claro que os tempos serão sombrios e terrivelmente duros, ao menos para a classe artística.
Que o atual governo não vai lá com a fuça da cultura não é novidade pra ninguém. Que esses políticos tentam sistematicamente colocar a população contra os artistas todos sabemos também. O critério de cultura dos novos governantes do Brasil é a falta de cultura desses novos governantes, por isso a perseguição absurda, diversas vezes até risível, a obras e artistas por todo o território nacional. O desmonte do Ministério da Cultura, anunciado no início do ano, não é apenas um aviso de que os artistas não terão vida fácil no governo Bolsonaro, é também o início de um projeto de sucateamento da própria cultura brasileira.
Não é preciso ser gênio para perceber o poder de transformação de uma obra de arte, até mesmo aqueles que tentam inferiorizar o seu valor o fazem justamente por saber a potência e a força do troço.
Ataca-se não só os artistas, pessoalmente, ataca-se também o que esses artistas representam. Não é preciso ser gênio para perceber o poder de transformação de uma obra de arte, até mesmo aqueles que tentam inferiorizar o seu valor o fazem justamente por saber a potência e a força do troço. Sabem, mesmo chafurdando na lama da ignorância, que a cultura pode combater a estupidez de maneira eficiente. Canções já mudaram o rumo da história e deram início a revoluções preciosas, por exemplo.
Diante desse perigo sempre iminente, os trogloditas recorrem à violência. Através da porrada ou da censura tentam calar artistas, silenciar obras, criminalizar a criação. Tentam, brigam por isso, mas não conseguem. Assim como o instinto do pássaro é voar, o do artista é criar. Criar sempre, mesmo na adversidade. Acostumados a escapar de gaiolas, sejam elas físicas ou ideológicas, aqueles que criam sabe que não há perigo maior do que se permitir fraquejar diante da mão obscena do censor. Por mais que os amarrem, por mais que os acorrentem, há sempre uma maneira de escapar, de alcançar o infinito, mesmo que ele seja apenas um sonho no horizonte.
Por isso é preciso continuar, mesmo que isso exija, em alguns tempos, um esforço sobrenatural. Mesmo que o preço seja alto, pago em paz e sossego. Por isso é preciso mirar o infinito com a coragem daqueles que não temem o tombo. A queda, quase sempre dolorosa, é uma espécie de fantasma que persegue tudo que avoa. Ela sempre está ali, tão certa quanto a dureza do chão que nos espera com sua boca de barro aberta.
A queda, o tombo, é uma das poucas certezas que existem no horizonte de quem almeja a imensidão do céu, por isso mesmo é preciso, desde cedo, e desde sempre, aprender a tourear o receio e encarar a palidez desse fantasma face a face, de peito aberto, de frente. Por mais incerto que seja o sucesso do voo, o medo da queda não pode ser maior do que o desejo de voar. Mesmo que no fim de tudo acabemos estraçalhados, com a cara no chão. Mesmo que doa, que trucide, que judie; mesmo que mate. A vida vale a muito a pena quando se sonha, se deseja o infinito. A vida só presta se a gente tiver coragem.