Por Caio Botelho.
Os retrocessos civilizacionais em curso no Brasil são imensos e o governo golpista liderado por Michel Temer conta com a repulsa da quase unanimidade dos brasileiros, de acordo com as recentes pesquisas de opinião. Diante desse cenário, não é estranho perguntar: onde está, afinal, o povo? Como se mantém silente mesmo quando estão em jogo questões tão fundamentais, como os direitos trabalhistas e a garantia de sua aposentadoria?
A despeito de uma combativa agenda de lutas capitaneada pelas Centrais Sindicais, pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, e por um amplo leque de entidades do movimento social e partidos políticos, é correto constatar que a imensa maioria da população brasileira – inclusive aquela que é vítima direta desses retrocessos – aparenta, até o momento, pouca disposição para ir às ruas fazer o enfrentamento direto à essa agenda.
Dentre as explicações para esse fenômeno, destacamos aquela que costuma culpar o próprio povo pela sua desmobilização. Sobram acusações de letargia diante do caos imposto, e o rótulo de “acomodado” é mais uma vez atribuído aos brasileiros. Sabemos que se trata de acusação injusta, própria do senso comum e de uma análise superficial da história. Que as elites defendam essa perspectiva não é novidade, mas que ela ganhe adeptos mesmo entre parte dos setores progressistas, é fato a se estranhar.
Como todos os fenômenos sociais, este é de uma complexidade tamanha que não pode ser respondido com facilidade, menos ainda por análises “facebookianas” – tão comuns em nossos dias – sempre prontas a descobrir a pólvora e falar o óbvio. Justamente por isso, não se pretende aqui responder a questão de “porque o povo brasileiro não está indo às ruas”, mas tão somente apresentar (ou melhor, fazer recordar) ao menos dois elementos que podem contribuir com o debate.
O primeiro deles é a noção de que “as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes”, conforme escreveram Karl Marx e Friedrich Engels no clássico “A Ideologia Alemã” (altamente recomendável ler ou reler esta obra, diga-se de passagem). Mais do que uma frase de efeito, trata-se de uma constatação da realidade. As elites, através da dominação dos meios de produção e de seus aparatos ideológicos, impõem ao povo um conjunto de valores com o objetivo de tornar a exploração algo “natural”. Não é a toa que a própria classe trabalhadora tanto reclama, por exemplo, do imposto sindical, insignificante para seu bolso, mas ignora a existência da mais-valia, que rouba quase toda riqueza por ela produzida.
Esta alienação imposta pelas elites impede, portanto, que a classe trabalhadora tome conhecimento de seu potencial e assuma ela própria as rédeas de seu destino.
Outro elemento – ligado diretamente ao primeiro – trata da subestimação da luta de ideias nos últimos anos, principalmente no auge do ciclo dos governos liderados por Lula e Dilma, quando uma combinação de crescimento econômico e melhora nas condições sociais levaram as próprias forças progressistas à certa acomodação, cumprindo pouco o seu papel de elevar o nível de consciência da população que trabalha e produz riqueza (registre-se: importante não simplificar demais essa questão, muito mais complicada do que essas superficiais linhas podem fazer parecer).
Certo é que apontar o dedo acusatório para o povo não é o melhor caminho, além de representar uma postura um tanto arrogante, pra dizer o mínimo. A secular luta pela emancipação da classe trabalhadora exige muita paciência e capacidade não apenas de ensinar, mas também de aprender.
Fonte: Altamiro Borges.