Por José Eustáquio Diniz Alves.
Depois da crise econômica, nacional e internacional, de 2009, o governo brasileiro aumentou o gasto público para tentar estimular a economia, adotando uma política tipo keynesiana para elevar a demanda agregada. Porém, os resultados não foram positivos, pois o gasto público aumentou muito e a economia cresceu pouco (algo em torno de 2% ao ano) entre 2011 e 2014.
Mas o que estava ruim entre 2011 e 2014, piorou muito, pois o ano de 2015 foi de colapso geral da economia. O Produto Interno Bruto (PIB) teve a maior queda do século, enquanto a inflação e o desemprego subiram muito, contrariando, inclusive, o que é definido na “curva de Phillips”. Como consequência o Brasil entrou em estagflação.
O Brasil tem um grande déficit nominal, pois tem uma grande dívida pública e juros muito elevados. Para evitar que esta dívida aumentasse muito rapidamente foram gerados superavit primários (aquele sem contar o pagamento de juros) de cerca de 3% do PIB entre 2002 e 2008, ainda no governo Lula. Em 2011, o superavit primário foi de 3,1% do PIB e contribuiu para reduzir a dívida bruta do governo geral para 51,3% do PIB. Porém, o quadro se deteriorou rapidamente nos anos seguintes e entrou em colapso em 2014 e 2015.
Em 2014, o déficit primário foi de R$ 32,5 bilhões, representando -0,6% do PIB. Em 2015, o déficit explodiu para R$ 111,2 bilhões, representando 1,9% do PIB. Desta forma, a Dívida bruta do governo geral que estava em R$ 2 trilhões em dezembro de 2010, passou para R$ 2,7 trilhões em dezembro de 2013, para R$ 3,3 trilhões em dezembro de 2014 e R$ 3,9 trilhões em dezembro de 2015. Isto é uma trajetória explosiva, pois a dívida bruta absoluta cresce enquanto o PIB diminui.
Diante deste quadro seria preciso que o governo tomasse medidas urgentes para evitar que a situação piorasse em 2016. Porém, não é o que está acontecendo. Ao contrário, o PT – partido que está na Presidência da República – colocou a culpa do fracasso de 2015 na conta do ex-ministro Joaquim Levy, dizendo que o “austericídio” estava afundando a economia. Mas como os dados do Banco Central mostram, não houve cortes de gastos no ano passado, mas sim o maior déficit primário da história recente.
Como consequência da deterioração das contas públicas, a Standard and Poor’s (S&P) rebaixou novamente a nota de crédito soberano do Brasil no dia 17 de fevereiro, cinco meses após o país perder o selo de bom pagador pela mesma agência. O rating, que é usado como referência para os investidores estrangeiros aplicarem recursos no Brasil, foi cortado em um nível, passando de BB+ para BB, com perspectiva negativa.
Como resposta ao pessimismo das agências de avaliação de risco, no dia 19 de fevereiro, o ministro do Planejamento, Valdir Simão, anunciou cortes de mais de 23 bilhões (0,4% do PIB) no orçamento federal de 2016. Mas o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, informou que neste ano o governo vai propor uma meta fiscal flexível. Que pode variar de um superavit de 24 bilhões até um deficit de cerca de 60 bilhões de reais nas contas públicas.
Na prática, o governo está dizendo que pode ter um déficit primário de cerca de 1% do PIB. Como a atividade econômica deve cair em torno de 4% em 2016, a dívida vai aumentar rapidamente, complicando muito o quadro da economia brasileira. Por exemplo, o governo diz que existe um grande déficit corrente e atuarial na previdência. Mas o PT e as centrais sindicais dizem que a previdência social é superavitária, pois os recursos constitucionais previstos estão sendo desviados para outras rubricas. Ou seja, existe um déficit e o déficit é crescente. Mas há discordância onde este déficit se encontra, pois caso não esteja na previdência, com certeza está em outro lugar, pois o orçamento não fecha.
Para agravar o desequilíbrio, o rombo acumulado dos quatro principais fundos de pensão de estatais — Correios (Postalis), Petrobras (Petros), Caixa Econômica Federal (Funcef) e Banco do Brasil (Previ) é monstruoso (estimativas apontam para mais de R$ 50 bilhões em 2015). Um estudo do pesquisador Marcelo Caetano, do Ipea, sobre os sistemas previdenciários de servidores dos estados, para deixar preocupado qualquer cidadão brasileiro, aponta para um déficit atuarial de R$ 2,4 trilhões. O rombo equivale a 43,9% do PIB e não dá para ser ignorado e a conta vai ser cobrada nas próximas décadas.
Além do mais, o Brasil terá dificuldade para aumentar impostos para lidar com estes déficits, pois já possui uma das maiores cargas tributárias do mundo (especialmente comparado com a qualidade dos serviços oferecidos). A carga tributária brasileira estava em torno de 20% do PIB no começo da Nova República e encontra-se atualmente em 35% do PIB. Por isso, a opinião pública prefere que se corte gastos ineficientes e se combata a corrupção, do que adotar a alternativa de aumentar impostos.
Segundo dados do DIEESE/SEADE a taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo atingiu 14% em janeiro de 2016. Enquanto isso, as crises fiscal e política se aprofundam e a credibilidade das instituições continua baixa. Segundo o CAGED, o número de empregos formais perdidos em janeiro de 2016 foi de praticamente 100 mil vagas. As projeções indicam uma redução de 2 milhões de empregos com carteira assinada em 2016. Em dois anos, desaparecerão 3,5 milhões de empregos formais e isto está atingindo a população mais escolarizada.
Em entrevista para o Estadão (21/02/2016), o economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfajn, disse que o Brasil já caiu para a 2ª divisão e está no Z4 (zona de rebaixamento) rumo a 3ª divisão do campeonato econômico mundial. Ele vê um grande problema fiscal-político na cena nacional: “Neste momento, o País tem vulnerabilidade fiscal num momento de fragmentação política. A trajetória mais difícil é da dívida pública. A trajetória da inflação eu consigo ver caindo, e a de juros também consigo ver caindo. Também não acho que vai haver recessão para sempre. A trajetória da dívida me preocupa mais porque, com o déficit primário, vamos acabar tendo um déficit nominal grande. E a trajetória da dívida deve passar de 70% em direção a 80% em 2018”.
A temperatura política que estava amena entre o natal e o carnaval, aqueceu rapidamente depois da folia do Rei Momo. No dia 20 de fevereiro, o senador Delcídio do Amaral saiu da cadeia para a prisão domiciliar e o palco das intrigas no Congresso. No dia 22 de fevereiro, o marqueteiro das campanhas de Dilma, João Santana (e esposa), foi preso acusado de recebimento de propinas vindas do escândalo do petrolão. No dia 23, o programa partidário do PT foi recebido com um panelaço em todo o país (Dilma não participou do programa do seu partido). No dia 24 de fevereiro, a agência de classificação de risco Moody’s anunciou o rebaixamento da nota de crédito do país, significando que o Brasil perdeu o último selo de bom pagador que detinha em agências de risco. A Moody´s cortou a nota brasileira em dois degraus e colocou o viés negativo.
No encontro de comemoração dos 36 anos do PT – sem a presença da presidenta Dilma – O PT atacou o ajuste fiscal do ministro Nelson Barbosa e propôs um “programa nacional de emergência” para mudar a política econômica. O documento, aprovado pelo diretório nacional do partido, pede a redução dos juros, o aumento do gasto público e o uso das reservas cambiais para financiar obras. Defende um reajuste de 20% no Bolsa Família e a elevação de impostos sobre os mais ricos. E os petistas reclamaram do aval do Planalto às mudanças na lei do pré-sal. Há quem diga que o PT quer romper com Dilma e preparar a campanha presidencial de Lula, caso haja o impeachment da presidenta, seja no Congresso ou no TSE. Mas no sábado, dia 27/02, no encontro do PT, Lula disse: “Por mais que possamos ter divergências com qualquer pessoa do governo, esse governo é nosso e temos responsabilidade de fazer dar certo. A gente tem que ter claro e a Dilma tem que ter certeza é que o lado dela é esse, e ela precisa de nós para sobreviver aos ataques que vem sofrendo no Congresso”.
Na 130ª Pesquisa CNT/MDA, o governo Dilma Rousseff chegou a apenas 11% de aprovação, retomando uma leve tendência de alta de popularidade desde o fundo do poço (8%) em julho de 2015. Em detalhes, Dilma teve 1,7% de ótimo, 9,7% de bom, 25,2% de regular, 17% de ruim e 44,7% de péssimo na pesquisa. Mesmo com a pequena melhora, no geral, a avaliação é desencorajadora.
O governo se mostra sem força política para resolver os problemas econômicos e estes agravam as dificuldades políticas. As receitas públicas caem e os gastos aumentam. Os pilares do edifício estão rompendo e não há governança capaz de promover reformas e equilibrar a construção. O fato é que a di?vida pública brasileira está ficando inadministra?vel, o que pode piorar ainda mais o quadro político depois dos dois anos da maior recessão, para um biênio, na história republicana. Também o atual sexênio (2011-2016) é o pior da história brasileira. O povo brasileiro já está suportando o insuportável. Será que o país aguentará o agravamento da situação em 2017 e 2018? Ou haverá uma grande ruptura e desestruturação ainda em 2016? O Brasil precisa, urgentemente, de uma saída consensual para o bem geral!
*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
Fonte. EcoDebate