Por Douglas F. Kovaleski para Desacato. info
No texto dessa semana, enveredo pelas questões mais atuais da crise e como os gestores do capital vão conduzindo suas políticas. Recapitulando, na recessão econômica de 2014, Dilma adota o ajuste fiscal, Temer seguiu pelo mesmo caminho ao aprovar a emenda constitucional 95, no ano de 2016, que congelou os gastos públicos por 20 anos. Bolsonaro segue essa linha da austeridade e reforça de maneira acelerada os cortes no orçamento das áreas sociais, demonstrando sua subserviência com relação aos interesses da burguesia.
Do ponto de vista formal, a direção econômica divide escolas de pensamento, alguns acreditam que é preciso cortar mesmo tudo, inclusive despesas sociais, e outros apostam que o gasto público pode reaquecer a economia e que é preciso manter, num momento de desemprego, despesas que significam muito para quem é pobre. Fazendo assim com que a economia mantenha seu vigor e não seja paralisada pela crise.
Pesquisadores brasileiros e ingleses chegaram à conclusão de que as despesas com proteção social reduzem o índice de mortalidade geral, em todos os grupos de causa de mortalidade, segundo publicação feita na revista Lancet. Os pesquisadores vasculharam dados de 5565 cidades brasileiras entre 2012 e 2017. Foram registradas pouco mais de sete milhões de mortes entre adultos – o que corresponde a um aumento de 8% na taxa de mortalidade no período. Os pesquisadores identificaram que o aumento do desemprego em 1% estava associado ao aumento nas mortes ocorridas por todas as causas, mas especialmente devido a doenças cardiovasculares e câncer. Além disso, quem mais sofreu foram negros e pardos, além da população em idade ativa (na faixa entre 30 e 59 anos). Dá para verificar isso olhando para a fração da população que cuja mortalidade ficou estável nesse período: adolescentes brancas e aposentados.
Essa alta na mortalidade, entretanto, não aconteceu nos municípios que apresentaram altos gastos em programas de saúde e proteção social. “A crise econômica pode piorar a saúde em países de baixa e média renda, com mercados de trabalho precários e sistemas de proteção social fracos”, escreveram os pesquisadores, destacando: “A crise econômica brasileira contribuiu para o aumento da mortalidade. No entanto, os gastos com saúde e proteção social pareciam reduzir os efeitos prejudiciais à saúde, em especial nas populações vulneráveis. Essa evidência fornece suporte para sistemas de saúde e proteção social mais fortes globalmente.”
Quem acompanha a saúde pública de perto sabe que a EC do teto de gastos é uma das maiores ameaças ao SUS hoje. Em primeiro lugar, o Brasil já destina pouco dinheiro público para saúde para um país que precisa manter funcionando um sistema universal. Em 2015, foram 3,8% do PIB em comparação com a média dos países centrais, de 6,5%, de acordo com os cálculos de um estudo do Tesouro Nacional divulgado ano passado. Outro dado: nos últimos dez anos, os gastos públicos com saúde per capita cresceram menos que a inflação.
Mas a EC 95 parece não ser suficiente para a voracidade do mercado. O orçamento da saúde deveria ser de R$ 132,3 bilhões para manter-se sem cortes conforme a lei. Mas o projeto enviado para o Congresso Nacional pelo governo Bolsonaro crava um montante de R$ 122,9 bilhões para o ano que vem. O valor respeita o teto de gastos, mas tira do SUS R$ 9,46 bilhões na esfera federal.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
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