A COVID-19 mês a mês em Santa Catarina: um breve balanço

    Coronavírus – risco potencial por região. Atualizado dia 29 de dezembro de 2020. Fonte: https://www.coronavirus.sc.gov.br/

    Por Lauro Mattei. [1] 

    Ontem (03.01.2021) o estado de Santa Catarina atingiu a marca de 497.345 pessoas contaminadas pela doença provocada pelo novo coronavírus. Com isso, passou a ser o terceiro estado do país com maior número de contaminados, apesar de ser o décimo primeiro estado em termos de população. Além disso, após atingir a marca de 5.314 óbitos, situa-se entre os dez estados com maior número de mortes.

    É importante registrar que desde o mês de março de 2020, quando teve início no Brasil a pandemia provocada pelo novo coronavírus, o assunto vem sendo tratado de forma irresponsável por parte de diversas autoridades públicas, seja desqualificando a real dimensão da doença, seja ignorando as recomendações das autoridades sanitárias do país, especialmente em termos das medidas de proteção capazes de evitar a transmissão da doença.

    O estado de Santa Catarina não ficou imune a esse cenário que foi se desenhando no país ao longo dos meses. Prova disso, é que se chegou ao final do ano com medidas de proteção contra a doença sendo discutidas no âmbito da justiça, uma vez que as ações do governo estadual caminharam exatamente no sentido contrário a tudo o que estava sendo indicado pela ciência, particularmente no mês de dezembro quando ocorreu o maior surto da doença no território catarinense.

    A evolução da doença em Santa Catarina desde o mês de março de 2020

    Em 11.03.2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a doença COVID-19 como pandemia, em função do aumento expressivo dos casos e da disseminação da mesma em praticamente todos os países do mundo. A definição de pandemia é utilizada quando uma doença infecciosa se espalha e afeta um grande número de pessoas em todo globo terrestre. Essa decretação de pandemia, na verdade, serve para alertar os chefes de Estados sobre a gravidade do problema. Assim sendo, e diante da inexistência de um medicamento específico para seu combate, a OMS sugeriu o isolamento social e o distanciamento físico como formas de se evitar o contágio e, desta maneira, evitar a sobrecarga dos sistemas públicos de saúde num período curto de tempo.

    Após o surgimento dos primeiros casos no Brasil, inicialmente o Ministério da Saúde decidiu seguir os protocolos internacionais e as próprias recomendações da OMS, cujo foco de ação é voltado à contenção da curva de crescimento do contágio epidêmico. Para tanto, assumiu-se que, além dos cuidados sanitários básicos, o isolamento social e o distanciamento físico entre as pessoas eram medidas fundamentais para conter o contágio, tendo em vista a inexistência de qualquer antídoto eficaz contra a doença.

    Santa Catarina registrou oficialmente os dois primeiros casos da Covid-19 no dia 12.03.20. Mesmo com uma incidência baixa da doença em seu território, foram adotadas, ainda em 17.03.20, as medidas recomendadas pela OMS. Com isso, os dados e informações sobre a pandemia no estado, nos primeiros meses (março e abril), aparentemente estavam sob controle, conforme se pode observar no quadro 1.

    Todavia, com a maior flexibilização das medidas de controle da doença no mês de maio e com a falta de uma política coordenada pelo governo estadual nos meses seguintes, quando decisões sobre medidas a serem adotadas foram remetidas à esfera das administrações municipais, notou-se uma explosão da doença no estado nos meses de junho, julho e agosto. Com isso, ao final desse último mês, todos os 295 municípios do estado já tinham registrado a presença da doença.

    Do ponto de vista dos casos oficiais, nota-se que eles cresceram 233% no mês de julho em relação ao mês anterior e 63% no mês de agosto em relação a julho. Já o número de óbitos cresceu 284% no mês de Julho em relação ao mês anterior e 52% em agosto em relação ao mês de julho. Essas informações mostram que os meses de julho e agosto representavam o maior surto da doença no estado até aquele momento.

    Esse cenário de expansão da doença teve um pequeno arrefecimento no mês de setembro, quando novas medidas de controle da doença foram adotadas pelo governo estadual. Neste caso, destacam-se as portarias 708,710, 712, 713, 714, 715 e 716 da Secretaria Estadual da Saúde, as quais regravam um conjunto de atividades de prestação de serviços e de eventos sociais. O resultado positivo se observou ao final de setembro, quando houve uma queda de 40% nos casos oficiais em relação ao mês de agosto e uma queda de 46% nos óbitos no mesmo período.

     Quadro 1: Evolução mês a mês dos casos e óbitos por Covid-19 em SC

    MESES Nº. CASOS TOTAL Nº. ÓBITOS TOTAL
    Março 227 227 2 2
    Abril 2.167 2.394 46 48
    Maio 6.643 9.037 95 143
    Junho 17.317 26.354 198 341
    Julho 57.719 84.073 761 1.102
    Agosto 93.704 177.777 1.158 2.260
    Setembro 37.701 215.478 537 2.797
    Outubro 43.462 258.940 317 3.114
    Novembro 105.404 364.344 648 3.762
    Dezembro 128.239 492.583 1.491 5.253

      Fonte: Boletins Epidemiológicos. Secretaria Estadual da Saúde de SC

    Porém, a pandemia voltou com maior força ainda a partir do início de outubro, mês em que houve o impedimento do atual governador, cujo cargo foi ocupado interinamente pela vice-governadora. É importante frisar que em apenas um mês de governança interina, ordenou-se a flexibilização de diversas medidas de controle da pandemia que estavam em vigor, inclusive determinando a volta das aulas presenciais em um momento de grande avanço da pandemia[2]. Com isso, o número de casos no mês de novembro teve um aumento de 180% em relação ao mês de setembro, ainda que o aumento do número de óbitos tenha sido de apenas 21% no mesmo período. Já o número de óbitos em novembro aumentou 105% em relação ao mês de outubro.

    Mas é no mês de dezembro, sem dúvida, que o estado enfrentou o maior pico de transmissão da doença, uma vez que foram registrados 128.239 casos em apenas 31 dias. Com isso, observou-se um aumento de 22% dos casos em relação ao mês anterior e de 195% em relação ao mês de outubro. Já o número de óbitos (1.491), o maior já registrado em um único mês, aumentou em 130% em relação ao mês de novembro, quando haviam sido registradas 648 mortes.

    Se somarmos os números de casos dos meses de novembro e dezembro (233.643), verifica-se que eles representam aproximadamente 48% do total, ou seja, quase 50% da doença em SC foi registrada apenas nos dois últimos meses do ano de 2020. Quanto aos óbitos, observa-se que nesses mesmos dois meses ocorreram 2.139 mortes, representando 41% do total verificado no estado ao final de 2020.

    Mesmo diante desse cenário explosivo da doença, o governador de Santa Catarina publicou, no dia 18.12.20, o decreto 1.027 que flexibiliza um conjunto de atividades de serviços e de eventos sociais. Tal documento faz parte de uma polêmica judicial que se arrasta até os dias atuais, com consequências negativas sobre o comportamento da população, uma vez que as regras sobre o assunto mudaram diversas vezes em um curto período de tempo[3].

    O que mais chama atenção é que as medidas contidas nesse decreto caminham na direção contrária àquelas regras adotadas em 18.09.20, quando o cenário era bem mais favorável, uma vez que a doença estava em franco declínio, conforme mostramos anteriormente. Além disso, não existem mais quaisquer restrições ao funcionamento de atividades quando o risco for moderado, ao mesmo tempo que em situação de risco alto foram ampliados os percentuais de cada uma dessas atividades. Já em situações de risco grave e gravíssimo foram elevados percentuais para vários setores que no mês de setembro – em situação bem mais confortável – eram proibidos. Por exemplo, eventos sociais que setembro eram proibidos nas fases grave e gravíssima, agora foram liberados para 50% e 30% da ocupação, respectivamente. Da mesma forma, para cinemas e teatros; congressos e feiras, museus, parques aquáticos, complexos termais, etc.

    A adoção dessas medidas no pior momento da doença em Santa Catarina revela que as atuais autoridades governamentais colocaram a saúde dos catarinenses em segundo plano, ao mesmo tempo em que deram vazão ao atendimento dos lobbies de diversos setores econômicos. Com isso, o simplismo da falsa dicotomia saúde x economia prevaleceu, enquanto a máscara do cinismo que propalava todo o tempo que as ações governamentais “estavam embasadas na ciência” caiu por terra.

    Outros importantes indicadores

    O quadro 2 apresenta a evolução do número de casos e de óbitos, segundo o sexo das pessoas. Por um lado, nota-se que a doença afetou praticamente a mesma proporção de homens e mulheres ao longo de todo o ano de 2020, sendo que apenas 10 mil mulheres foram mais afetadas que os homens. Já o cenário se altera totalmente quando se analisa os óbitos, uma vez que as pessoas do sexo masculino foram as mais afetadas pela doença, considerando-se que mais de 1.100 homens perderam a vida em relação ao total de pessoas do sexo feminino que também morreram.

    Quadro 2: Número de casos e óbitos, segundo o sexo em 31.12.2020

     SEXO  Nº. CASOS  %  N. ÓBITOS  %
     Homens  240.802   49  3.180  60,5
     Mulheres  251.763   51  2.072  39,5
     Total  492.583  100  5.253  100

    ????

    Fonte: Boletins Epidemiológicos. Secretaria Estadual da Saúde de SC

    O quadro 3 apresenta o percentual de participação de cada faixa etária no total de casos oficialmente registrados no estado. Em primeiro lugar observa-se que aproximadamente 65% do total de pessoas contaminadas dizia respeito às faixas entre 20 e 49 anos de idade. Em termos absolutos, isso significa cerca de 320 mil pessoas de um total de 492 mil contaminados.

    Mais dois aspectos merecem ser destacados. Por um lado, o percentual relativamente baixo de pessoas de 70 anos ou mais que foram afetadas pela doença (4,8%), considerando-se que desde o início da pandemia algumas autoridades defendiam que apenas esses grupos deveriam ser alvos das medidas restritivas. Em termos absolutos, nota-se que menos de 25 mil pessoas nessas faixas etárias foram afetadas. Por outro, o percentual de 8,5% de pessoas da faixa de até 19 anos que foram contaminadas pode ser considerado alto, uma vez que corresponde a mais de 44 mil pessoas contaminadas nessas duas faixas etárias.

    Quadro 3: Percentual de casos por faixas etárias em 31.12.2020

     Faixas Etárias  %
      0-9 anos  2,7
     10-19 anos  5,8
     20-29 anos  20,8
     30-39 anos  25,0
     40-49 anos  19
     50-59 anos  14
     60-69 anos  7,9
     70-79 anos  3,3
     80  anos ou +  1,5
     Total  100

    ????

    Fonte: Boletins Epidemiológicos. Secretaria Estadual da Saúde de SC

    Perspectivas para o ano de 2021

    O fato concreto é que ainda teremos que conviver com a pandemia do novo coronavírus por um longo período, cuja longevidade vai depender do processo de vacinação de toda a população brasileira. Todavia, antes que se chegue a esse momento (imunização de toda a população), há um árduo caminho a ser percorrido, o qual não poderá prescindir de algumas questões fundamentais.

    Em primeiro lugar, é preciso que de fato as autoridades governamentais tenham um compromisso maior pela garantia da vida das pessoas, considerando-se que centenas dessas mortes que ocorreram em Santa Catarina poderiam ter sido evitadas. Para tanto, basta acreditar mais na ciência e adotar as medidas corretas e no tempo exato para impedir que a pandemia continue se alastrando de forma desenfreada.

    Em segundo lugar, é necessário que a comunicação das autoridades governamentais para o conjunto da sociedade seja clara, objetiva e sem contradições. Somente assim, será possível ter uma maior adesão da população às medidas que precisam ser implementadas.

    Por fim, é necessário que o conjunto da sociedade tenha mais consciência sobre a gravidade dessa doença que a cada dia ceifa dezenas de vida no estado. A realidade está aí para se contrapor ao negacionismo exacerbado que tomou conta de muitos segmentos sociais e que só tem causado prejuízos a todos.

    [1] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: [email protected].

    [2] Análise detalhada dessas ações encontram-se no artigo “Equívocos e irresponsabilidades marcam a política de combate à Covid-19 da governadora interina de SC” publicado no dia 23.11.20: https://folhacidade.com.br/2020/11/23.

    [3] Para maiores detalhes sobre tal decreto, veja o artigo “O Decreto 1.027 vai na contramão das medidas necessárias para controlar a Covid-19 em Santa Catarina”. Artigo de minha autoria escrito em 20.12.2020.

    Leia mais:

    Dilma Rousseff, primeira Presidenta latinoamericana a comprometer-se com a Anistia na Catalunha. E a esperança equilibrista… Por Flávio Carvalho.

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