Por Nathalí Macedo
Tonico Pereira é apenas um dos artistas que resistem nestes tempos sombrios – eles são muitos, inclusive globais, como Camila Pitanga e uma parte maciça dos elencos jovens das novelas globais-, mas poucos o fazem com tanta coragem e tão obstinadamente.
Com 50 anos de carreira, disse, sobre sair da Globo, que “se o os filhos passarem fome, é capaz de matar.”
O ator foi duramente criticado e até ameaçado de morte por um pastor por se posicionar – desde sempre, à esquerda – no Domingão do Faustão.
Mas resiste bravamente, com a rara coragem da qual precisam as esquerdas e a classe artística.
Lembro-me que na Bienal do Livro de 2017, no Rio, ele participou de uma mesa na mesma editora que eu, e me senti tão lisonjeada que filmei o momento em que ele atiçou a plateia numerosa com um “Fora Temer” (quando o bordão ainda estava em uso).
Ele agora foi substituído por “Lula Livre”, e ainda é só um bordão.
Mas gente como Tonico Pereira ainda politiza sua condição de artista no lugar mais propício possível: o teatro.
Nenhum bom ator que conheço trocou o teatro pela televisão. É lá que a magia acontece, sempre soube intimamente.
Lá, Tonico compara a prisão política de Lula à condenação de Sócrates, obrigado a tomar cicuta por incitar a juventude de Atenas ao questionamento.
Isso é politizar o teatro, que, aliás, é essencialmente político.
Mas o preço é alto.
Além da onda de impopularidade, Tonico receia a possibilidade de não sobreviver fora da Globo, o que, para mim, parece inconcebível: seus filhos não passarão fome, e ele continuará no teatro cumprindo seu ofício e sendo aplaudido por quem ainda ouve as vozes solitárias da resistência em tempos de golpe.
Ele sobreviverá no teatro, em nossa memória e quem sabe nos livros de história, que, penso eu, dedicarão muitas páginas ao capítulo do golpe de 2016.
Falar o que se pensa tem um preço alto. Que bom que ainda há quem pague.