A contradição dos viajantes: acordar para o esclarecimento e mergulhar na ilusão. Por Carlos Weinman.

Imagem: Pixabay.

Por Carlos Weinman, para Desacato. info. 

Os três passageiros da ferrugem dos esperançosos acordaram cedo. Inaiê estava melhor, agora os três precisavam achar um trabalho provisório para conseguir custear o restante da viagem, mas os espíritos dos viajantes estavam tomados pela ansiedade em encontrar Deméter. Ela fazia parte do que estava mais próximo do propósito da viagem.

Não eram cinco horas da manhã quando Roberto despertou, levantou e, alguns minutos depois, com uma xícara de café, foi acordar seus companheiros de viagem, em tom bem alto e alegre gritou para os irmãos, que estavam mergulhados em um sono profundo:

Vamos acordar!!! Não é sempre que temos um café passado, preparado pelo Sr. Apolínio!

– Ulisses e Inaiê levantaram tomados por um energia inspiradora, que está, de certo modo, presente em todos os seres humanos, ou seja, o desejo de buscar ou de alcançar o que não está em seus domínios, ignorando, por vezes, o que é muito significativo, valioso, mas já faz parte de suas conquistas. Por esse motivo, situações contraditórias são manifestadas nas histórias dos viajantes humanos, na guerra existe a busca pela paz, exaltada com grande valor, já nos momentos pacíficos, a guerra é tomada como forma para encontrar, realizar outros objetivos, considerados nobres, o fato é que a inquietude está na natureza humana, quando ela desaparece, tende trazer a sensação de tédio ou falta de motivação. Quanto aos viajantes da ferrugem dos esperançosos, a tragédia de uma história de vida de uma família, marcada pela separação, pelas adversidades moviam e criara um sentimento de unidade, de amor fraternal. A partir disso, surgiu uma questão para os viajantes, a qual Inaiê expressou da seguinte forma:

Fico perguntando para o meu ser, se não fosse a busca pelos nossos irmãos seríamos ou teríamos um ao outro como temos?

Diante da questão da irmã, Ulisses respondeu rapidamente:

Claro que sim, veja Roberto, ele não tem a mesma motivação do que a nossa, ele era um desconhecido, um estranho.

Nesse momento Roberto, interrompeu Ulisses:

Acredito que você está enganado Ulisses, o dia que encontrei vocês, conheci a sua história, fui tomado por um sentimento, que já estava presente em meu ser, isto é, o desejo de ter pessoas, que fossem capazes de olhar para mim e valorizar-me como ser humano, com os meus defeitos e qualidades. Não contei para vocês ainda, sou brasileiro, mas meus pais eram argentinos, tinham uma boa condição para viver, investiram no Brasil e, por um tempo, foram bem sucedidos financeiramente. Enquanto a busca era o sucesso das empresas, eles tinham o seu propósito, estavam motivados, mas o sucesso financeiro, os bens, não os livraram de uma tendência humana, ou seja, o tédio. Para fugir desse sentimento, eles tentaram extravasar em festas, compras de carros melhores, casas a beira mar, mas o sentimento de infelicidade aumentara cada vez mais, ficaram depressivos, meu pai se arriscava, buscava por novas adrenalinas, a viagem deles parecia não ter mais sentido, estavam voltados para o final da jornada, mas esse estava contaminado pelas posses de bens, que só abrira mais espaços vazios em seus espíritos, esqueceram o que realmente importava, ou seja, as pessoas. Por isso, acredito que a pergunta nunca deveria ser pelas posses ou poder que é possível alcançar, mas o que nós seres humanos, viajantes de um dia diante da eternidade, podemos fazer juntos. Lembro-me do dia que meus pais perderam tudo em uma aplicação na bolsa de valores, não tinham mais um ao outro e, de alguma forma, nunca me tiveram junto, ocupávamos o mesmo espaço, mas tínhamos uma pobreza enorme, havia carência de ser, meu pai e minha mãe saíram de carro e sofreram um acidente fatal. Naquele dia em diante, sem posses e familiares, passei por várias casas para órfãos, construí minha vida, mas estava solitário, quando os encontrei, achei um propósito, isto é, conquistar a amizade e o amor. Por esse motivo, a minha motivação é a mesma de vocês.

Ulisses abraçou o amigo e falou:

– Realmente, o que importa são as pessoas e devemos tomar o cuidado em não perder, diante da busca, o que já temos de tão precioso, pois talvez estejamos com o maior tesouro das nossas vidas e voluntariamente, movidos pelo objetivo final da jornada, deixamos para um segundo plano, a tal ponto de perder a joia mais bela e valiosa, que está no sentido e significado do caminhar da trajetória.  

Em seguida os três saíram para procurar trabalho, durante o caminho Inaiê falou:

Parece que a história humana é feita de buscas e ilusões, como meu sonho com Kant, buscamos pelo progresso do pensamento, pela autonomia, sonhamos em vencer o julgo da natureza, para nos tornarmos senhores dela. Todavia, parece que ao buscar por esse esclarecimento, perdemos algo valioso, que era o encantamento pelas coisas do mundo. Parece que ao buscar por algo temos a tendência de esquecer do que temos.

Roberto riu e começou a falar:

Pelo visto alguém incorporou o debate promovido por Adorno e Horkheimer. Eles disseram que o ser humano ao buscar pelo esclarecimento, tornou-se escravo de uma mentalidade técnica, os humanos sonharam em dominar a natureza, ter liberdade em relação as leis naturais, mas se tornaram escravos de uma racionalidade técnica. Assim, o iluminismo converteu-se no seu contrário, buscou liberdade, mas promoveu novos cárceres.

Diante da fala do amigo, Ulisses perguntou:

– O que seria essa racionalidade técnica?

Roberto respondeu:

A racionalidade técnica corresponde a uma mentalidade construída na modernidade e que está presente até os dias de hoje. Ela nasceu do entusiasmo pela produção e invenção de técnicas, decorrentes das descobertas científicas. O ser humano moderno estava entusiasmado pela busca da autonomia diante das invenções e construções de várias tecnologias, que possibilitaram o domínio em relação aos demais seres da natureza e até sobre seus semelhantes. Entretanto, ao fazer isso, o ser humano perdeu a capacidade de admirar e de assombrar-se com as coisas simples da vida. Tudo foi reduzido a uma relação de meios e fins, um mero tecnicismo. Podemos dizer, que o ser humano passou buscar pela técnica para ter uma vida feliz e esqueceu de viver, desenvolveu a habilidade técnica de capturar e registrar momentos felizes, não encontrando, aprendeu o saber técnico de disfarçar, de aparecer bem, o que passou ser uma rotina. Assim, ao invés dos saberes e dos produtos técnicos servirem para o bem viver, esse passou ser comprometido para garantir o desenvolvimento e o progresso técnico. Desse modo, o humano renuncia a sua liberdade e a vida para ser um escravo, envolvido por várias tecnologias. A pergunta que se faz é: onde está o senhor do escravo contemporâneo? A resposta que surge: ele está na sua racionalidade técnica, que não promoveu o esclarecimento, apenas a sua condição de subserviência.

Quando Roberto terminou de falar, os três viram um cartaz com informações sobre vagas de trabalho, foram falar com a gerente do estabelecimento, eram um trabalho para 15 dias, a gerente destacou que não tinha condições de pagar muito, mas os três concordaram, a gerente chamou pela responsável do setor para mostrar o que deveriam fazer.

– Deméter, poderia mostrar as tarefas para esses três jovens?

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Carlos Weinman

Carlos Weinman é graduado em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: Estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.

 

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