Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.
Falar da Europa Ocidental é falar de cinismo. Um cinismo que invade tudo, a história, a ciência, a tecnologia, a cultura, a moral e também os esportes. Não é uma opinião casuística ou solta, é um raciocínio oriundo do comportamento das nações invasoras do nosso continente, da África, da Ásia e de tudo pedaço de terra que flutue no planeta. Tem justificado invasões, genocídios, saqueios, com a maior parcimônia, com aquele sorrisinho de lado, escondendo as mãos e baixando a vista.
Hoje, com suas monarquias decadentes, cômicas, porém tão vorazes e parasitas como antes, com seus impérios todos assumidos pela insígnia de guerra dos Estados Unidos de pós-guerra, a OTAN, fundada para desgraça da paz em 4 de abril de 1949, dança conforme o patrão norte-americano. Como porta-voz do império estadunidense recita sua catequese guerreira, invasora, interventora, como quem declama uma verdade indubitável em ritmo gregoriano. Só que, a esta altura do século 21, qualquer coisa que diz resulta inverossímil ou pelo menos altamente duvidosa.
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Como acontece desde os eventos piratas de 5 séculos atrás, o negacionismo e a invenção da realidade, a gosto do corsário, continua imperando. Só que mudou o roteirista, é um só e mora no Departamento de Estado ianque. Não é mais o que quer o rei, é o que manda o imperador. Inclusive quando o imperador muda a realidade, a manda ocultar, ou mesmo inventa uma para a respeitável plateia que ainda o adjetiva como “a maior democracia do mundo”. E isso é a verdade e não se discute. Justo essa democracia de mentirinha onde nem sequer os seus cidadãos têm direito de escolher diretamente um presidente. Mas, a propaganda é para isso, para vender imagem e produtos. Estados Unidos, que como acerta a professora e comentarista Elenira Vilela, nem nome de país tem, mas é um grande produto para as elites mundiais. O produto que ordena nos diversos usos do verbo ordenar.
Bem, encurtando, do que quero falar agora é do presente, no qual quase todas as multinacionais de transmissões esportivas são de capital estadunidense, ou com residência lá: ESPN, DAZN, etc., associadas a empresas europeias, como Sky Sports, para citar uma com sede na Europa. Naturalmente (porque é mesmo naturalmente), as repetidoras, as franquias espalhadas pelo mundo, fazem o que a casa matriz, como se dizia na pós colônia, determina. E o que a “casa matriz” mandou, assim que começou a guerra entre a OTAN (fantasiada de Ucrânia) e a Federação Russa, é impedir a presença russa em qualquer torneio com grande impacto de audiência ou, que os atletas russos compitam sem usar os símbolos nacionais.
Junto com isso for ordenado caricaturizar a transmissão dos torneios mais importantes de futebol, colocando, segundo o país que for, bandeirinhas da Ucrânia que ficam fixas durante toda a transmissão (Espanha), ou a palavra Peace, ou qualquer outra coisa que implique em resultados russófobos, xenofóbicos, mentirosos, excludentes e que deixe claro que a União Europeia pertence à OTAN, não ao contrário. Devem exemplifique o poderio sancionador da OTAN e do seu dono, contra, quem sabe, uma menina patinadora de 12 anos de idade. Uma tenista lésbica das primeiras no ranking, que já tem uma sobrecarga de discriminação no ambiente elitista do tênis. Ou um futebolista que não pode representar seu país na Copa do Mundo, como sonhou desde que bateu uma bola.
Que culpa têm esses desportistas? Que responsabilidade têm eles e elas? Por que uma carreira fica, quem sabe, prejudicada para sempre? Ele não é Vladimir Putin, ela não é a porta-voz do Kremlin, Maria Sajarova. Não importa, são russos, ou bielorrussos, têm que servir de escarmento para o mundo saber quem manda.
Para isso as entidades esportivas, FIFA, WTA, ATP e outras, fazem o ridículo. E bom, para Europa, ser ridícula, cínica e xenófoba é uma virtude antiga. Um exemplo flagrante dessa estupidez podemos ver nos rankings do tênis, masculino e feminino. Todas as competidoras aparecem com uma bandeirinha do país que representam menos as russas e bielorrussas, e elas estão no top ten, são das melhores. As conhece o mundo todo, mas a ordem é não colocar a bandeirinha, e sim a bandeirinha da Ucrânia nas transmissões. Tipo “todos somos Ucrânia”. O invasor é sempre a Rússia criminal, que fique claro estimada audiência! Essa Rússia que doou quase 28 milhões de vidas para salvar a civilização nas duas guerras mundiais.
Pois então, quantos países já invadiram a Rússia e a Bielorrússia? Quantos invadiram os Estados Unidos, França, Itália, Inglaterra? Quantas colônias ostenta Rússia no mundo? Quantas tem a Inglaterra? Quantas ditaduras estimulou Rússia na América Latina? Quantas organizou o governo dos Estados Unidos? A lista de perguntas pode seguir ad infinitum. O tema é ocultar o que salta aos olhos: o mundo não é mais unipolar, nem na economia, nem na mensagem cultural, nem no esporte. Os BRICS, por exemplo, são inimigos latentes do poderio norte-americano, de seu poodle europeu, e de outros países como a Austrália e o Canadá. Isso é em todas as áreas. Então que a guerra eurasiática deixe claro que os Estados Unidos não estão dispostos a perder a partida, nem sequer a conceder um saque e menos um boleio ao inimigo. São eles que televisionam o show, como fez a histórica e nojenta transmissão da CNN na guerra do Golfo. Talvez, são eles que têm pânico e precisam ocultar sua feia nudez.
Um capítulo especial para uma entidade invasora que é a menina dos olhos dos Estados Unidos e da Europa: Israel. Há quase um século que o sionismo invade e ocupa a Palestina. Uma saga de morte que não poupa crianças, idosos, lares. Uma desaparição descontrolada e terminal do território palestino, explícita frente aos olhos da hipócrita e covarde “comunidade internacional”. Em lugar da sanção que os atlantistas impõem a estudantes, cientistas, turistas, esportistas russos e bielorrussos, os israelenses são premiados disputando seus torneios na Europa, em lugar de na sua região (ou será o inconsciente civilizatório que sabe que Israel não pode ser daí?).
Assim, a cínica Europa, com sua retórica e suas imagens que bailam entre o ridículo e a distorção farsesca da história, quer ocultar o óbvio, seu fascismo inalterado, sua xenofobia clássica e sua impudica contorção de pirata-bufão reduzida ao papel de síndico local das franquias bélicas dos Estados Unidos. Esse é o esporte que joga Europa desde o início da Guerra Fria, Otan mediante. Dá asco.
Edição e publicação: Tali Feld Gleiser
Raul Fitipaldi é jornalista, cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.
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