Em 1970, moradores de favelas surgidas nas cercanias do Plano Piloto do Distrito Federal foram obrigados a sair de lá. A Campanha de Erradicação de Invasões (CEI) expulsou cerca de oitenta mil pessoas e as colocou a mais de trinta quilômetros da Brasília projetada por Lúcio Costa. A área, até então desabitada, ainda não tem uma infraestrutura adequada, e carrega no nome – Ceilândia, a terra da CEI – sua história. O filme A Cidade é uma só? resgata a criação da Ceilândia, surgida a partir destas remoções, e mostra o abismo entre as duas partes da cidade.
O diretor do filme, Adirley Queirós, diz que sua ideia inicial era fazer um documentário nos moldes tradicionais sobre a história da Ceilândia. Entre as personagens resgatadas por ele, está Nancy Araújo. Moradora das “invasões”, ela estudava em uma escola pública onde todas as crianças eram obrigadas a cantar juntas e uniformizadas: “você que tem um bom lugar para morar, me dê a mão, a cidade é uma só. Ajude-nos a construir nosso lar para que possamos dizer juntos: a cidade é uma só”. A música cantada pelas crianças era usada como propaganda pelo governo, que escamoteava o duro processo de exclusão social pelo qual o Distrito Federal passava. Quarenta anos depois, a cidade não é uma só. Quase quatrocentas mil pessoas moram hoje na região pobre e com falta de serviços públicos, que contrasta com a imponência da capital federal.
O filme tem, também, personagens criados. Dildo surgiu para mostrar os conflitos entre a parte central de Brasília e a periferia. Ele é candidato a deputado distrital pelo fictício Partido da Correria Nacional. Durante as filmagens, Dildo circulava pela Ceilândia e pelo plano piloto com um velho Volkswagen Santana. De caixas de autofalante em cima do carro, saía um jingle, que lembra o rap e o funk, onde dois tiros marcavam o refrão. O personagem fazia campanha de verdade e, em determinado momento, encontra uma imensa carreata de Dilma Rousseff chegando à cidade durante a campanha presidencial de 2010. As andanças de Dildo pela cidade revelam um estranhamento entre as duas Brasílias.
O diretor conta ter escolhido a ficção, neste caso, para potencializar o que desejava mostrar sobre a cidade. “O que me incomodava era que um filme com uma possibilidade forte de uma narrativa não conseguia sair de um modelo que o levaria a um lugar reacionário”, afirma.
Parte da equipe vem da própria Ceilândia, onde já tinha rodado curtas-metragens. Queirós mora lá desde a década de 70. O ator de Dildo, Dilmar Durães, também é da região. Por ironia, trabalha como faxineiro em uma universidade de cinema dentro do próprio plano piloto, mas sua competência como ator acaba sendo mostrado pela produção da própria Ceilândia.
A cidade, definitivamente, não é uma só.
O filme está em cartaz em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro.