Houve tempo de se dar o direito de escolher a última refeição aos condenados à execução. Mórbida tradição que talvez ainda se mantenha em países humanamente atrasados, onde até hoje se aplicam penas de morte.
Mas há dos mais atrasados ainda, onde aos condenados não se dá direito algum e se os mata sem qualquer julgamento, apenas com a desculpa de que é matando que se mantêm a ordem.
Isso de atraso humano não é particularidade de país algum, mas de períodos da história mesmo de nações consideradas mais notáveis e evoluídas em determinados aspectos. Como o Japão, por exemplo. Difícil imaginar que aquele país hoje tecnologicamente tão desenvolvido, tenha promovido tamanhas barbáries ao invadir a China.
A Alemanha é exemplo ainda mais gritante: berço dos maiores pensadores da alma e do comportamento das sociedades humanas, foi a responsável por um dos mais bárbaros períodos da história da humanidade.
Não se justifica incriminar os povos por estes lamentáveis momentos. Foram levados à barbárie por aqueles que então detinham o poder sobre suas instituições. O resultado dessa errônea premissa de julgamento é sempre o mesmo: preconceito.
Ontem mesmo participei de um diálogo que ia se descambando por aí. Começou com a lembrança do nazismo germânico, para grande incômodo do casal de brasileiros que tanto exaltava a cultura ocidental do hemisfério norte e com pessoal orgulho e vaidade nos proferiam como sub-raça. Não estou inventando! Foi exatamente isso o que deles ouvi.
Com muita dificuldade eu tentava suportar a conversa e para amenizar lembrei que pessoas de índole perversa como os executores dos pais de família na guerra cotidiana de São Paulo, existem em todos os países. Antes já havia provocado certo mal estar ao lembrar que, hoje, o governador daquele estado é o mesmo de quando sequestraram a Gothgam City brasileira e sem Batman. Tergiversaram e não fui atrás. Deixei pra lá, mas a incapacidade de raciocínio da classe média é insistente e quando retornaram ao assunto para nos apontar como subcultura periférica, lembrei dos estupros coletivos praticados pelos europeus da Bósnia. Quiseram escapar pela multiplicidade étnica e religiosa dos antigos iugoslavos e suas reminiscências orientais, me obrigando a reportar ao exemplo do III Reich.
Condenavam a eugenia nazista quando para meu espanto arrematam com a brilhante conclusão que tudo aquilo foi um lamentável desvio provocado pelo condicionamento do povo germânico que não é uma sub-raça como nós, os brasileiros.
Num inaudito e desusado esforço de contemporização procurei manter a tese de que os seres humanos são todos iguais, mas me desmentiram, demonstrando que a classe média brasileira é mesmo um caso a parte, ao se enveredarem em lembranças e descrições de barbáries cometidas nos conflitos entre as etnias africanas. Tentar demonstrar-lhes que a manutenção daqueles conflitos interessa aos do hemisfério norte que tanto admiram iria me dar muito trabalho e apenas somei aos exemplos uma breve citação sobre o genocídio de palestinos pelo estado sionista de Israel.
Salvadora lembrança que pôs fim a conversa antes que me fizessem perder a paciência já de per si reduzida, mas retomo aqui como exemplo de que isso de barbárie é mais coisa de condicionamento de massas por sistemas de poder, do que das índoles dos povos e muitas vezes até mesmo das instituições de poder. Portanto, só há uma forma de combater a barbárie e promover a evolução da civilização: condenando aqueles que a estimularam e praticaram em períodos que por algum meio foram alçados ou ilicitamente ocuparam esse poder, pervertendo-o.
No entanto, a questão que se me suscita ao receber por um desses acasos internéticos o desabafo do obscuro carrasco Brilhante Ustra (abaixo copiado), é sobre qual seria a função do ritual da última refeição do condenado.
Pergunto-me se seria provocar a reflexão do criminoso sobre tudo o que perdeu por não reconhecer a humanidade de seus semelhantes? Enquanto mastiga e saboreia os últimos bocados de um prato de sua preferência, obrigá-lo a avaliar todos os outros sabores e prazeres da vida que se lhe tornou imerecida por sua miserável existência?
Se não for para isso, esse ritual é injusto com as vítimas desses criminosos, pois aquelas não tiveram direito de pedido algum. Torturadas, violentadas, seviciadas, executadas sem qualquer rito e o mínimo de humanidade.
E o banquete descrito aí pelo Coronel, o que é? O que é essa confraternização de carrascos?
Não foram condenados à morte, pois não há mesmo que se igualar à desumanidade representada em suas existências, mas o grande risco de mantê-los impunes se denota na própria displicência do coronel ao se referir sem o menor constrangimento aos adultos, mulheres e crianças que fez de suas vítimas. Aquela frieza de certos criminoso que provoca engulhos em magistrados.
Exatamente como os carrascos julgados em Nuremberg, o coronel alega ter cumprido ordens. Mas em uma coisa ele está certo, não pode nem deve ser o único a ser julgado pelos crimes cometidos naquele período de barbárie da história brasileira.
Claro que também não se pode julgar toda a instituição que fraudaram. O Exército Brasileiro em verdade também foi vítima daquelas mentes doentias que então subverteram as funções e a razão da existência da instituição. E o Exército Brasileiro tem uma imagem, um histórico que não pode ser enlameado por elementos que espuriamente o comandaram escrevendo o mais execrável período de sua história.
Ponderando essa evidência, considerando quão injusto e inócuo seria tornar o Brilhante Ustra em bode expiatório, creio ter descoberto uma função para a ceia dos carrascos, aqui descrita por um deles, inclusive citando nomes de alguns presentes. É como naquelas festas promovidas pelos chefes do tráfico, onde a polícia filma e depois sai catando um a um. Afinal, conviva de confraternizações de criminosos é o que? Tá fazendo o que ali?
A ceia dos carrascos é uma ótima oportunidade para o Exército Brasileiro resgatar a imagem da gloriosa instituição. Mas claro que tudo dentro de padrões civilizados e sem repetir a barbárie, pois seria tão arriscado quanto manter a impunidade desses comensais subversores da ordem que com tão mal exemplo ainda hoje impedem o progresso mental da classe média brasileira que gosta de parecer que pensa, mas não consegue nem reconhecer o absurdo em condenar o mito da supremacia racial germânica e ao mesmo tempo se auto-classificar como sub-raça.
Enquanto os criminosos da ditadura militar continuarem banqueteando, os condenados ao atraso da classe média brasileira não deixarão dessa ceia autofágica.
Por Carlos Alberto Brilhante Ustra – Cel Ref do Exército Brasileiro
Matéria publicada no site www.averdadesufocada.com em 27/10/2012
Nos primeiros dias do mês de abril de 2006, recebi do Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 23ª Vara Cível do Foro de São Paulo uma Ação Declaratória, movida por César Augusto Teles, sua esposa Maria Amélia Teles, seus filhos Janaína e Edson Luis de Almeida Teles e sua cunhada Criméia Schmidt de Almeida.
As 46 páginas da Ação Declaratória de ocorrência de danos morais tinham a finalidade de declarar que eu (RÉU), como Comandante do DOI/CODI/II Exército, agi com dolo e cometi ato ilícito passível de reparação, causei danos morais e danos materiais à integridade física dos AUTORES, incluindo seus dois filhos. Estava sendo acusado dos crimes de tortura, sequestro, cárcere privado dessas crianças e de tortura de seus pais e de sua tia Criméia.
Ao receber essa Notificação, deu-me o Magistrado o prazo de 15 dias para a minha Contestação. Caso isso não ocorresse, seria declarado culpado.
A minha primeira providência foi de, por intermédio de seus assessores, informar ao Comandante do Exército, General Francisco Albuquerque, pois eu era o primeiro militar que eles tentavam processar por tê-los combatido.
A minha preocupação fazia sentido porque eu estava sendo processado como comandante do Destacamento de Operações de Informações – DOI – uma unidade militar criada de acordo com a Diretriz Presidencial de Segurança Interna, assinada pelo presidente Médici, na primeira quinzena de setembro de 1970. Os DOI eram órgãos eminentemente operacionais e executivos, adaptados às condições peculiares da contra subversão e do contraterrorismo.
Cumprindo a Diretriz Presidencial, o Exército Brasileiro, por intermédio dos generais-de-exército, comandantes militares de área, centralizou, coordenou, comandou e se tornou responsável pela condução da contra subversão e do contraterrorismo no País.
Durante a nossa vivência nos DOI, vários companheiros, a maioria, foi elogiada e condecorada por cumprir a missão com risco da própria vida. Receberam a Medalha do Pacificador com Palma, a mais alta condecoração concedida pelo Exército Brasileiro. Éramos, portanto, Agentes do Estado.
Assim, ao invés de estarmos sendo processados individualmente, a União (Exército Brasileiro) é quem deveria ser acionada judicialmente, posto que seria ela a detentora da responsabilidade objetiva e, portanto, aquela que deveria ocupar o polo passivo da lide. Caso posteriormente restasse apurado culpa ou dolo do agente no desempenho da função, aí sim, a União poderia intentar a ação de regresso contra este.
Após 8 dias de espera, com surpresa, recebi a resposta de que o General Francisco Albuquerque nada faria a respeito.
Logo a seguir a imprensa publicou uma nota, ou uma declaração, do chefe do Centro de Comunicação Social do Exército – CComSEx – dizendo que o Exército não ia se pronunciar porque o meu caso estava sub judice.
Tal declaração repercutiu muito mal, principalmente, entre os militares.
Como desagravo, promoveram um almoço em minha solidariedade, na Galeteria Gaúcha, no Lago Norte, em Brasília.
Os dois salões da galeteria ficaram superlotados. O comparecimento foi de mais de 600 pessoas, inclusive o de um ministro, da ativa, do Superior Tribunal Militar.
O orador oficial que me saudou, externando a solidariedade não só sua como a dos presentes, foi o coronel, ministro, senador e governador Jarbas Passarinho. Infelizmente seu estado de saúde, hoje, não permite confirmar minhas palavras, mas elas podem ser confirmadas pelos militares presentes.
Durante os 7 dias que me restavam procurei um advogado, em São Paulo, que aceitasse fazer a minha defesa.
Ainda em 2006, o Clube Militar/RJ, sendo seu presidente o Gen Ex Gilberto Figueiredo, também, em face da decisão do Gen Francisco Albuquerque, patrocinou um almoço por adesão em minha solidariedade, no Salão Nobre do Clube, na sede principal, situada na Avenida Rio Branco. O comparecimento foi muito grande e lotou, completamente, as instalações daquele salão.
A decisão do Cmt do Exército provocou uma enxurrada de procesos contra mim.
A constante tentativa de mudança da história pelos ex-integrantes das organizações terroristas e a minha eleição como “bode-expiatório” demonstram que o rancor e o revanchismo são cada vez maiores.
O recrudescimento de antigos antagonismos começa a provocar a reação das forças contrárias. Esse retrocesso não é do interesse da nação, até mesmo porque a atual sociedade vive em outro cenário político e se depara com outras questões de relevo maior do que a senil luta entre trabalho e capital.
As ações movidas contra mim têm, dentre outros objetivos, exaurir-me física, psíquica e patrimonialmente.
É com tristeza e até com revolta que vejo o Exército ao qual servimos com tanta dedicação e até mesmo com risco de vida – não só da nossa, mas, também, de nossas famílias -, hoje, passados mais de 40 anos, nos relegar e abandonar à própria sorte.
Fomos deixados para trás no campo de batalha, feridos e sós, à sanha revanchista do inimigo derrotado quando o Exército pelo qual lutamos venceu a luta armada e se retirou.
Imagem: Santa Ceia de Leonardo da Vinci.