Por Leonardo Isaac Yarochewsky.
Estado Democrático de Direito, 10 de março de 2018.
Remetente: Presunção de Inocência
Destinatário: Supremo Tribunal Federal
Exma. Presidente do Supremo Tribunal Federal
Dra. Cármem Lucia Antunes Rocha
Venho a presença de Vossa Excelência e dos demais ministros desta Corte Constitucional expor e afinal requerer o seguinte:
Sou uma velha senhora, minha origem remonta ao direito romano. Na Idade Média fui afrontada em razão, principalmente, dos procedimentos inquisitoriais que vigoravam na época, chegando mesmo a ser invertida já que a dúvida poderia levar a condenação. Contudo, sabiamente e felizmente, fui consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 refletindo uma nova concepção do direito processual penal. Uma reação dos pensadores iluministas ao sistema persecutório que marcava o antigo regime, no qual a confissão – “rainha das provas” – era obtida através da tortura, de tormentos e da prisão.
Segundo o jurista italiano Lugi Ferrajoli, sou correlata do princípio da jurisdicionalidade (jurisdição necessária). Para Ferrajoli “se é atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um crime, desde que tal prova não tenha sido encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem submetido a pena”. Mais adiante o respeitável jurista italiano assevera que o princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental de civilidade “fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”.[1] Na Itália informa ainda Ferrajoli, com o advento do fascismo, entrei em profunda crise. Os freios contra os abusos da prisão preventiva deixaram de existir em nome da “segurança processual” e da “defesa social”, sendo considerada a mesma indispensável sempre que o crime tenha suscitado “clamor público”.[2]
Em tese de doutoramento, Antonio Magalhães Gomes Filho asseverou que: “À luz da presunção de inocência, não se concebem quaisquer formas de encarceramento ordenadas como antecipação da punição, ou que constituam corolário automático da imputação, como sucede nas hipóteses de prisão obrigatória, em que a imposição da medida independe da verificação concreta do periculum libertartis”.[3]
Apesar disso, cerca de 250 mil presos estão encarcerados, aguardando uma sentença definitiva – são presos provisórios – lamentavelmente para eles sou letra morta na Constituição da República.
Desgraçadamente, meus Inimigos costumam me acusar de eu ser aliada da “Impunidade”. Evidente que tal afirmação é absurda e não corresponde à verdade. Na verdade, eu uma velha, aliada dos “Direitos Humanos” e dos “Direitos Fundamentais”. Sou Irmã da “Dignidade Humana”. Como meus aliados, eu só sobrevivo no Estado Constitucional. Os Estados autoritários e fascistas são carecedores do oxigênio chamado “Liberdade” do qual necessito para respirar e continuar vivendo.
No Estado Democrático de Direito, de onde me dirijo a Vossas Excelências, é inadmissível, intolerável e inaceitável flexibilizar direitos e garantias individuais em nome do combate deste ou daquele delito. A investigação, a acusação e o julgamento devem ser orientados pelos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, do juiz imparcial, da proibição de prova ilícita, da proporcionalidade, etc.
Tenho sofrido ataques dos fascistas e dos inimigos do Estado de direito. Em 2016 quase aniquilaram definitivamente comigo. Os inimigos da democracia querem me despejar da Constituição Cidadã, mas eu tenho resistido.
Por tudo, requeiro a Vossas Excelências que façam valer, imediatamente, o sagrado direito e me devolvam o status de princípio fundamental, em nome do tão proclamado Estado Democrático de Direito.
ASS. Presunção de Inocência
[1] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
[3] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.
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