A mesa “Performance sonora” abriu o segundo dia da 16ª Festa Literária Internacional de Paraty – Flip e reuniu a cineasta Gabriela Greeb e o diretor de som português Vasco Pimentel. As tentativas da Autora Homenageada desta edição de entrar em contato com os mortos, retratadas no filme Hilda Hilst pede contato, foram o tema central da conversa. Entre 1974 e 1979, a escritora, isolada na Casa do Sol, sítio em que morava em Campinas, no interior de São Paulo, interrompeu a escrita de sua obra para tentar estabelecer contato com familiares, amigos e autores falecidos.
O telão do Auditório da Matriz mostrou cenas do longa-metragem, híbrido de documentário e ficção dirigido por Gabriela Greeb, no qual a atriz Luciana Domschke interpreta a escritora. Em um trecho, vemos Domschke concentrada em frente a um gravador de fita cassete, com fones de ouvido. “Hilda pedindo contato com o povo cósmico. Gostaria de falar com vocês que já são meus amigos, muitos que eu não conheço”, diz. “Vocês, mortos, vivem”, completa a atriz em outra parte do filme.
A ideia de estabelecer conexão com o extraterreno surgiu a partir da leitura que a Autora Homenageada fez do livro Telefone para o além, do cineasta e cientista sueco Friedrich Jürgenson. “Jürgenson gravava os pássaros que ouvia nos bosques de Estocolmo, utilizando-se de equipamentos de rádio para otimizar o experimento. Em certa vez, reconheceu vozes humanas”, explicou a jornalista Mariana Filgueiras, mediadora da mesa. Esse processo ficou conhecido como “transcomunicação instrumental”. Para Filgueiras, “Hilda buscava uma resposta científica para seus anseios metafísicos”.
A autora de A Obscena Senhora D. gravou cerca de 100 horas de suas tentativas de contato e levou tão a sério o experimento que participou do 5º Colóquio Brasileiro de Parapsicologia, em 1977. Gravou tudo em uma série de fitas de rolo, estocadas em caixas de papelão guardadas na Casa do Sol. Foi esse material que Greeb usou como base para realizar o longa-metragem, cuja estreia mundial acontece nesta quinta-feira (26.07), no Cinema da Praça de Paraty. O convite à cineasta – que dirigiu também A mochila do mascate, sobre o diretor e cenógrafo de teatro Gianni Ratto – partiu do herdeiro do espólio de Hilda Hilst, Daniel Fuentes.
Greeb diz que abriu um espaço fílmico para Hilda falar de si mesma, e que o filme é sobre a escuta. “O que o poeta faz é escutar as palavras que estão no silêncio. Penso também que podemos ver as coisas de maneira inversa: Hilda pode estar morta querendo entrar em contato com os vivos”, afirma. Durante a mesa, a cineasta afirmou diversas vezes que um dos grandes desejos de Hilda era ser lida (“se fazer ouvir”), mas que as gravações de áudio provam que a escritora “também queria escutar o outro”.
A certa altura da mesa, Vasco Pimentel, diretor de som do filme, tocou para a plateia trechos das fitas, momento em que foi possível ouvir chiados e uma voz que pronuncia a palavra “Hilda” de maneira rápida e fugaz. Segundo ele, os chiados são resultados do ruído branco, uma mistura de ondas de rádio de várias emissoras do mundo com interferências do meio ambiente, como as nuvens e a atmosfera. Essa mistura pode, eventualmente, gerar vozes.
Em 1979, Hilst resolveu interromper os experimentos, decepcionada com a falta de resultados. “Vocês não me respondem. Já estou ficando brocha com essa experiência”, teria dito a poeta.