“A batalha esportiva e cavalheiresca desperta as melhoras características humanas. Ela não separa, mas sim une os combatentes em compreensão e respeito. Ela também integra os países no espírito da paz. É por isso que a chama da tocha olímpica jamais morrerá”.
Bonito, né?
Podia ser texto institucional de ONG.
Podia ser o Didi Mocó pedindo sua ajuda pra algum projeto do Criança Esperança.
Podia ser o Bono Vox com uma bandana de ‘coexistence’ humanitariamente comercial na testa.
Podia ser o colega indignado com o judoca egípcio que não apertou a mão do israelense.
De repente até podia ser você, sentado no sofá, emocionado com os jogos, pensando se a gente não é meio chato demais com isso de xingar megaevento, que, afinal, tem lá seus problemas, mas tá tudo tão bonito…
Podia, mas esse é o discurso de Adolf Hitler na abertura das olimpíadas de 1936.
Aquela olimpíada em que surgiu esse ritual bacana, meio milico, meio carnaval, de carregar tocha olímpica. Ideia do Goebbels pra conectar diretamente a antiguidade grega com o moderno estado nazista.
Aquela olimpíada que inflamou o patriotismo alemão e potencializou consideravelmente a difusão das ideologias que permitiram o nazismo, pra não falar nos tantos totalitarismos mais e menos evidentes, seja naquela época, seja agora.
Aquela olimpíada em que, durante vinte dias, o governo do Reich escondeu todos os sinais de antissemitismo da vista dos visitantes estrangeiros. Algo parecido com instalar painéis coloridos pra esconder as favelas do Rio de Janeiro.
Aquela olimpíada que, apesar dos pesares, foi certamente a olimpíada mais importante de todas, por causa da delegação de dezoito atletas negros norte-americanos que, além de ganharem um balde de medalhas, usaram os jogos para protestar contra dois sistemas de apartheid e genocídio sustentados por duas ideologias de supremacia racial vigentes em duas potências imperialistas e militaristas, a saber: as leis Jim Crow dos E.U.A. e o Nazismo alemão.
Você pode tentar separar esporte e política quando bate uma pelada pós-churrasco, descalço no campinho de terra atrás da casa do seu tio. Passou disso, é tudo política.
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Fonte: Descolonizações.