Por Viegas Fernandes da Costa, de Santa Catarina, para Desacato.info
A Mattel anunciou a produção de bonecas Barbie com novos formatos de corpo e diferentes tons de pele. Lançada no mercado em 1959 como um brinquedo para meninas, o corpo da Barbie plagiava a personagem Lilli das tiras de quadrinhos publicadas no jornal alemão Bild Zeitung em 1952. Cintura fina, seios fartos, salto alto e muitas vezes vestida apenas de calcinha e sutiã, Lilli povoou de tal modo os sonhos eróticos da homarada germânica que a transformaram em uma boneca para o usufruto masculino. Foi da erótica Lilli que o designer Jack Ryan fez nascer a Barbie, para o gáudio da anorexia ocidental em um tempo em que a sociedade falocrática lutava para devolver as mulheres à condição de bibelôs domésticos. Afinal, Barbie nunca esteve à frente do seu tempo, mas soube reproduzi-lo muito bem.
A pluralidade estética de Barbie é bem vinda, claro. Brinquedo é coisa séria, é discurso e ajuda a moldar papeis sociais. Não a toa, brincar de casinha destinava-se às meninas e luxuosos fogõezinhos prateados pulavam do saco do Papai Noel para as mãos das mais comportadas. A própria Barbie teve suas cozinhas, ainda que proprietária do seu próprio automóvel. Uma coisa não anulava a outra, e na medida em que a mulher ocidental foi ampliando sua participação no mercado de trabalho, até o Ken, o loiro eunuco, passou a ser dispensável. Mas há de se compreender, a Barbie plural (ainda que não tanto) não representa nenhuma ousadia da Mattel, tampouco revoluciona os padrões da indústria de brinquedos, muito pelo contrário.
Ousada mesmo foi a estadunidense Angelica Sweeting, que criou a boneca Angelica em resposta à ditadura Barbie imposta pelo mercado ao perceber que sua filha Sophie, de três anos, estava começando a ter problemas de autoimagem. Angelica, a boneca, tem a pele negra, nariz largo, cabelos cacheados. Angelica, a mãe, e suas filhas são afrodescendentes. A marca que criou se chama “Naturally Perfect Dolls” (Bonecas Naturalmente Perfeitas), já a Barbie continuará sendo a Barbie, ainda que fazendo algumas concessões a uma parcela da sociedade mais plural e crítica.
Sabemos que uma marca tem força, apelo. A Mattel percebeu que se a Barbie não se pluralizasse, perderia mercado para iniciativas como a de Angelica. Por isso a Barbie enrubesceu, enegreceu, engordou, alterou estaturas. O que não veremos tão cedo, entretanto, será uma Barbie transgênero, uma Barbie islamizada, uma Barbie cadeirante. Seria esperar demais de uma boneca que nunca esteve à frente do seu tempo.
* Viegas Fernandes da Costa é historiador, escritor e professor do Instituto Federal de Santa Catarina (IF-SC).
Imagem tomada de: eve-gil.blogspot.com