A “austeridade” faz mal à saúde

Por Antonio Barbosa Filho*.

Em tempos de cortes gerais de gastos e medidas de austeridade impostas pela troika (Banco Central Europeu, União Européia e FMI), o funcionalismo público é uma das maiores vítimas. Em Portugal, os servidores estão colocados sob dois fogos: de um lado, o governo anuncia aumentar a jornada de trabalho e reduzir benefícios (as gratificações de férias e Natal já foram eliminadas “temporariamente”), além de não repor as vagas abertas por aposentadorias; de outro, os usuários, cada vez mais carentes, tornam-se agressivos em suas reclamações por bom atendimento, e os casos de agressão e vandalismo tornam-se frequentes.

E esta realidade é ainda mais visível no setor da Saúde, que vem sendo precarizado pelo governo e afeta mais diretamente as pessoas numa hora de grande demanda destes serviços. Só nas procuradorias-distritais de Lisboa e Évora registraram-se, nos últimos dois anos, 51 queixas formuladas por médicos e enfermeiros, mas sabe-se que o número de ocorrências é muitas vezes maior – a burocracia, custos judiciais e lentidão dos processos desestimulam a grande maioria das vítimas a iniciarem uma ação.

O governo já aumentou as “taxas moderadoras”, que são pagas mesmo nos hospitais e centros de saúde ligados ao Serviço Nacional de Saúde, ao mesmo tempo em que cortou pelo menos 200 milhões de euros dos contratos e convênios. Hoje alguns usuários pagam o dobro do que há um ano atrás por exames , consultas e até urgências. Para amenizar o problema, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, tem anunciado medidas pontuais que favorecem parcelas da clientela: os pacientes que fazem tratamentos prolongados como hemodiálise e quimioterapia não precisarão mais pagar o transporte em ambulância até a unidade de saúde…

Mas o ministro deixa claro que o Serviço Nacional de Saúde “não é sustentável” porque tem dívidas e muitos fornecedores suspendem os serviços por falta de pagamento. Macedo conclama os profissionais médicos a perseguir os mais elevados índices de qualidade para compensar a escassez de recursos nesta época de “emergência nacional”.

O presidente da União das Misericórdias Portuguesas, que congrega centenas de Santas Casas, Manuel Lemos, declarou há dias que o Ministério não está cumprindo suas obrigações. O dirigente afirmou que o governo deve entre 35 e 40 milhões de euros às entidades, e que pelo menos um terço disso precisaria ser pago imediatamente, sob risco de uma “diminuição brutal da cobertura social neste país”. Havia casos de Santas Casas em vias de cortar o aquecimento do local onde ficam os doentes, por não conseguirem pagar os fornecedores.

Já a clientela da rede pública não quer saber muito das explicações técnicas e acaba desabafando nos mais próximos: os funcionários encarregados do primeiro atendimento. Já houve casos de agressões físicas como a de uma enfermeira do Hospital São Bernardo, em Setúbal, que teve o pulso torcido quando tentava aplicar um sedativo num paciente muito agitado; isso custou-lhe dois meses de fisioterapia e dores que permanecem prejudicando seu trabalho.

A situação assusta tanto os profissionais de saúde que o Sindicato Independente dos Médicos está pedindo que seja aplicada no setor uma regra que já existe para os hooligans do futebol. Assim como estes ficam impedidos de acessar os estádios quando envolvem-se em agressões, os pacientes que agridem os funcionários deveriam ser proibidos de buscar atendimento na rede pública, propõe Jorge Roque da Cunha, secretário-geral da entidade. Ele afirma também que o Estado viciou os médicos em fazerem horas-extras e com isso reduziu os salários-base da categoria, tudo resultando na queda do padrão de atendimento.

Embora sejam mais graves na área da saúde, as agressões a funcionários públicos também ocorrem em outros setores, especialmente os ligados ao atendimento das carências imediatas do cidadão. Em Areeiro, um jovem de 24 anos, ameaçado de perder uma bolsa de estudos que vem tentando há dois anos, entrou num estado de frio desespero: pela manhã ingressou na fila de sempre, tirou um alicate da bolsa e, calmamente, cortou os cabos de todos os computadores que viu pela frente. Foram sete, até que conseguiram detê-lo. “Eu só queria chamar a atenção de alguém da chefia para que visse meu processo com algum respeito”, afirmou.

Já houve o caso de uma funcionária do setor de Finanças agredida violentamente quando estava fotografando uma casa que iria ser penhorada. E são inúmeros os eventos de destruição de portas, vitrines, guichês, telefones e computadores por usuários indignados por não verem suas necessidades atendidas pelo serviço público.

Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade do Minho João Cardoso Rosas, entende que “os casos de agressão e vandalismo público são apenas uma forma mais radical de participação, ou protesto, informal. Claro que são do foro criminal, mas seria estúpido fecharmos os olhos e não vermos que têm também uma motivação política”.

Antonio Barbosa Filho é jornalista e escritor, autor de A Bolívia de Evo Morales e A Imprensa x Lula – golpe ou sangramento? (All Print Editora). Em viagem pela Europa, acompanha as consequências da crise financeira pós-2008 e da onda corte de direitos sociais (‘políticas de austeridade’) iniciada em 2010.

Fonte: http://www.outraspalavras.net

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.