
Por Thaís Lapa*
Gilmar Mendes jogou mais uma bomba contra as ainda existentes proteções trabalhistas no país. Suspendeu todas os processos trabalhistas sobre a chamada “pejotização”, que tratam do reconhecimento de vínculo empregatício decorrente da contratação por pessoa jurídica.
Está atentando contra a CLT que protege direitos de trabalhadores brasileiros, mas converte uma decisão negativa e prejudicial em algo virtuoso.
Seria a justiça trabalhista nacional, segundo ele e os ministros que o acompanham e deveriam ser guardiões da constituição brasileira, a instituição “equivocada”, que não adere ao que vem decidindo o STF sobre o assunto.
É aviltante o entendimento que vem subsidiando as decisões anti trabalhistas do STF no último período de que são em favor de trabalhadores empreenderem livremente. Convertem o que a população faz frequentememte como falta de opção como uma escolha, como “liberdade”.
Quem tem plena liberdade nas relações trabalhistas, sobretudo em um Brasil pós Reforma Trabalhista de 2017, são os empregadores – tanto os que reconhecem o vínculo trabalhista e os que não reconhecem. Esta liberdade para explorar aberta ou disfarçadamente, embora ampliada, não os satisfaz. E para garantir estabilidade nos seus padrões de lucratividade, não lhes custa muito fazer lobby junto aos poderes constituídos do país. Assim como não lhes custa, literalmente, participar de jantares e eventos internacionais com membros de integrantes de cortes superiores, para “discutir o Brasil” e defender seus interesses.

A pergunta que fica é: quem não senta à mesa destes jantares e eventos internacionais, os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, tem que espaços e meios para defender seus interesses e direitos? Quase nenhum, salvo a justiça trabalhista e as suas instituições de organização coletiva, que andam enfraquecidas, em partes também pela ação eficaz do lobby empresarial em favor deste enfraquecimento.
Não custa lembrar, e os advogados e juristas especialistas em direito trabalhista o fazem o tempo todo, que a Justiça do Trabalho só existe por haver uma disparidade de poder entre capital e trabalho na sociedade. Se houvesse condições equânimes destes diferentes lados defenderem seus interesses na sociedade, a justiça trabalhista não teria, simplesmente, razão de existir.
Dito isso, o que se encontra frente aos nossos olhos, ao menos os que conseguem ver, é uma piora nas condicões da população trabalhadora brasileira de trabalhar de forma protegida por direitos, mas esta piora vem maquiada e disfarçada de virtude. “Trabalhar sem direitos é bom, é liberdade!”.
Em tempos nos quais “CLT” tem virado termo para se fazer troça entre crianças e jovens que não têm ideia do que dizem, em tempos em que a população compra “preparado sabor café” por não ter como pagar pelo café real ou “preparado sabor leite” no lugar do leite real, pode ser que cheguemos ao ponto de, futuramente, termos juristas de cortes máximas defendendo não o direito a uma alimentaçao de qualidade e acessível, mas o “direito à escolha” de a população brasileira de escolher o café fake, afinal, é sua “liberdade de escolha”.
Thaís Lapa é professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política, e Coordenadora do Laboratório de Sociologia do Trabalho.