Por Elaine Tavares.
A América Latina está passando por novos processos eleitorais, conduzindo à frente dos governos das pátrias chicas políticos que dizem se posicionar mais à esquerda. Mas, ao que parece, não há em qualquer um deles alguém com a proposta de realizar mudanças estruturais capazes de efetivamente conduzir seus países à transformações significativas para os trabalhadores urbanos, camponeses e oprimidos em geral.
No Peru, a eleição de Pedro Castillo, um professor de larga militância popular, parecia uma promessa significativa num país tão destroçado pela corrupção e pela dependência. Mas, desde o começo do governo, o novo presidente foi se rendendo aos avanços da direita local que imprimiu um ritmo bastante forte de pressão, fazendo, inclusive, com que o gabinete escolhido por Castillo fosse se desintegrando e abandonando o barco em nome da “governabilidade”. Assim, o governo peruano vai caminhando, tentando agradar a oposição ainda que procure abrir veredas a partir das chamadas “políticas públicas” para diminuir a miséria material dos peruanos. Ao que parece, por enquanto, não há propostas de rupturas significativas.
A nova presidente eleita de Honduras, Xiomara Castro, assume o comando do país essa semana e já enfrenta uma traição gigantesca por parte dos aliados que fez para conseguir ganhar as eleições.
Na semana passada pelo menos 18 parlamentares que se elegeram por apoiar Xiomara passaram para o lado dos inimigos, deixando a presidente na mão. O partido não tem maioria na Assembleia Nacional e com essa perda sofre um duro golpe, mas nem um pouco surpreendente.
Ela assume o governo saudada pelos líderes da esquerda liberal do continente e também saudada pelos Estados Unidos, que espera manter boas e suculentas relações com Xiomara. Tanto que a vice-presidente Kamala Harris será figura de destaque na posse. Os Estados Unidos estão dando uma de cordeiro para impedir que Xiomara enverede para os lados da China. Resta saber como o governo do partido Liberdade e Refundação vai lidar com esse jogo de interesses que envolve os EUA, Taiwan, China e Rússia. A região da América Central é hoje um palco de disputa das grandes potências, o que torna ainda mais difícil uma transformação radical pela via eleitoral.
Xiomara pega um país destroçado, com 70% da população (9,5 milhões de habitantes) vivendo na pobreza e com uma taxa de migração gigantesca. Todos os dias partem colunas de gente, fugindo, em busca de vida melhor longe do país. Isso significa que ficar no universo de “mais isso e mais aquilo” das políticas públicas não resolverá os problemas históricos e estruturais do país, todos eles gerados justamente pela lógica de exploração e dependência imposta pelos Estados Unidos.
Também no Chile assume um governo alinhado com a esquerda, mas que foi eleito a partir de um arco de alianças bem estendido. Nas declarações da última semana já se observa em Gabriel Boric um governante disposto a atuar no sentido de acender vela pra deus e para o diabo, tentando conciliar o inconciliável. Não quer assustar o mercado, não quer assustar a elite local, não quer assustar as multinacionais. A impressão que se tem é de que seguirá no rumo da socialdemocracia, ou do liberalismo, e ainda que hajam reações emocionadas com o fato de ele ter escolhido um gabinete com maioria de mulheres, isso só vai significar algo quando essas mulheres começarem a agir. Estarão comprometidas com a maioria da população, os trabalhadores urbanos, camponeses e indígenas, ou atuarão no sentido de amansar o monstro do capital?
No Brasil também há os que saúdam a provável vitória de Lula nas eleições gerais. Caso isso se confirme, tal como nos governos passados do PT, provavelmente também não teremos um caminho efetivamente mais à esquerda, capaz de mudanças radicais. É bem possível que Lula atue como Boric, tentando apaziguar os inimigos.
Não se nota, nos discursos de todos esses novos governantes, incluindo Ortega e Fernandez, o compromisso com o fim da dependência, com a soberania real, com o anti-capitalismo e o anti-colonialismo. Falar em socialismo ou comunismo, então, nem pensar. Aquela força radical que emanava da figura de Hugo Chávez no final dos anos 90 e que arrastou a luta por toda a América do Sul, Central e Caribe, não aparece em ninguém, sequer palidamente. Tudo parece apontar para a tentativa – sempre derrotada – de conciliação de classe. A traição dos deputados hondurenhos é a prova viva de que os filhotes da direita não abandonam seus hábitos alimentares, mesmo quando mudam o vestuário. Compor com essa gente é apostar no fracasso.
Há os que dizem que somos insaciáveis, que não compreendemos a correlação de forças, que estamos carregados de ingenuidade, que não é possível fazer guinadas muito expressivas, que isso, que aquilo. Mas, por aqui ainda pensamos que o caminho para um futuro bom para todos os seres humanos ainda é o socialismo, chegando, por fim, ao comunismo. E, se, como já diziam nossos parentes aztecas, as palavras pronunciadas são as que andam, não é possível que os políticos que se dizem identificados com as bandeiras da esquerda, tirem dos seus léxicos essas nossas palavras andantes.
Não sou adivinha, portanto não prevejo derrotas. Mas, estudo. E o estudo sistemático da história mostra que não há chances nessa vereda de tentar humanizar o capitalismo. Por isso, sigo, gritando as palavras, dando uma de Jeremias e acreditando que enquanto elas andarem haverá chances de que “floresçam flores nesse lugar”.
Elaine Tavares é jornalista do IELA e da Rádio Campeche.