Por Conselho Indigenista Missionário/Equipe Povos Isolados.
O aparecimento de um grupo de indígenas isolados no entorno da Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, numa área habitada por colonos, no município de Seringueiras, em Rondônia, no dia 19 de junho de 2020, é mais um registro da movimentação desses povos em distintos lugares da Amazônia. Os deslocamentos desses grupos, se expondo ao risco do contato com não indígenas – que por si só já representa uma grande ameaça a sua sobrevivência – evidencia algo ainda mais grave, nesses tempos de pandemia da covid-19: a invasão de seus territórios.
É crescente o número de invasores nos territórios habitados por indígenas isolados. Na TI Uru-Eu-Wau-Wau, o desmatamento promovido por invasores duplicou de 2018 para cá. Em abril deste ano, um professor e agente ambiental Uru-Eu-Wau-Wau, empenhado em ações de vigilância, foi brutalmente assassinado. Essa terra indígena é alvo da ação de madeireiros, grileiros e garimpeiros. Possivelmente, a movimentação dos indígenas isolados ocorre porque eles estão em expedições de reconhecimento para encontrar um ambiente mais seguro para viver.
Mesmo diante do enorme risco que invasores representam para os povos isolados devido à covid-19, nenhum plano de desintrusão ou protocolo específico de prevenção foi implementado pelo governo
Situação semelhante ocorre nas TIs Yanomami, nos estados de Roraima e Amazonas; Vale do Javari, no Amazonas; Arariboia, no Maranhão; Mamoadate, no Acre; e Munduruku, Kayapó e Ituna-Itaitá, no Pará, onde vivem perto de 30 povos isolados. Nestes territórios, enquanto exploram ilegal e impunemente madeira e minérios, os invasores desmatam, poluem os rios e igarapés, matam ou afugentam a caça e os peixes e atentam diretamente contra a vida dos povos indígenas. E, pela possibilidade de transmissão da covid-19, representam um risco potencial de genocídio desses povos.
Mesmo diante do enorme risco que milhares de invasores em terras indígenas representam para os povos isolados devido à covid-19, nenhum plano de desintrusão ou protocolo específico de prevenção foi implementado pelo governo.
As esporádicas operações da Polícia Federal, Ibama e Funai já não mais intimidam os infratores. Sabem que não existe determinação e firmeza, mas condescendência do governo no combate aos crimes ambientais e à violação dos direitos indígenas. A sinalização do governo Bolsonaro de que os ilícitos praticados nas terras públicas protegidas serão tolerados fica evidente na declaração do Presidente da República de que não demarcará nenhuma terra indígena; na intenção manifesta do Ministro do Meio Ambiente de aproveitar a pandemia para “passar a boiada” (desconstruir as cautelas previstas na legislação de proteção ambiental); na exoneração de servidores públicos no cumprimento do dever em operações de repressão a crimes ambientais; e na Instrução Normativa 09 do presidente da Funai, que pretende regularizar o esbulho das terras indígenas.
O governo adota a política da omissão planejada do seu dever constitucional de demarcar e proteger as terras indígenas, para que estas sejam usurpadas e privatizadas por terceiros. No caso dos povos isolados, a usurpação de seus territórios passa, se não pelo genocídio, pela promoção do contato forçado, ao encargo de um pastor fundamentalista nomeado para a chefia da Coordenação Geral dos Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai. Essa antipolítica indigenista tem na sua raiz uma ideologia autoritária, racista e de ódio à diversidade de pensamento, de povos, de organizações sociais, de crenças e de saberes. Uma ideologia que visa anular e exterminar tudo e todos que colocam limites à voracidade do mercado e à liberdade individual daqueles que se consideram os escolhidos.
Nesse ambiente político perverso e doentio, o genocídio não é apenas uma possibilidade distante, mas um risco iminente que cresce assustadoramente com o avanço da covid-19 nos territórios indígenas e com a antipolítica indigenista que define os povos indígenas como o inimigo a ser eliminado.
Fonte: CIMI.