A alquimia da competição: preocupação com o desempenho transforma a graça da vida

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Por Guilherme Sant’Anna.

50 metros não é uma medida exata. Comecei a nadar ainda criança, porque meus pais julgavam essa uma habilidade importante para mim, algo com o qual concordo até hoje. Pequeno, nadar era brincar na água, era contato com outras crianças, era também desenvolvimento e superação. Aos poucos, sem que eu possa determinar exatamente quando, vieram as competições de natação. Eram uma espécie de desenvolvimento natural do nadar: aprende-se os estilos, melhora-se a técnica, aumenta-se as distâncias e compete-se entre os demais.

Eu até me saía bem nas competições, mas uma medalha não espantava a estranheza nascente, a qual, só depois, com a maturidade, pude identificar propriamente. Hoje vejo que o objetivo de nadar para competições transformava a experiência para mim: o relaxamento dava lugar à tensão; onde havia desfrute passava a haver cobrança; frustrações aumentavam. Os mesmos 50 metros viravam outros não por conta da distância, mas porque a natação se transformava.

Minha experiência pessoal não significa que a finalidade de competir sempre torne uma experiência qualquer mais desagradável, ou que a competição seja inconciliável com o desfrute. Tem gente que se sente bem em ambientes ou atividades extremamente competitivos. Mas ela serve para ilustrar algo bem familiar a quem vive nos dias de hoje, em uma sociedade na qual são predominantes as ideias de que só as/os melhores tem lugar, de que precisamos sempre nos aperfeiçoar, de que há aquelas/es que vencem e as/os que perdem na vida. Nesse contexto, podem nos fazer falta outras formas de nos relacionarmos com as atividades, formas mais leves, mais interessadas na fruição do que na performance. Isso porque a lógica de alto desempenho e de competição pode se sobrepor ao desfrute pela realização de uma atividade, transformando o modo como a realizamos e experimentamos.

Se a perspectiva de competir, de explorar exaustivamente ou de tornar mais útil algo que você faz não te atrai e corrompe a própria atividade, aí se faz necessário algum tipo de resistência às pressões deste mundo. Ela pode começar por alguns questionamentos: será que tudo tem que ser focado na performance, na competição? Meus hobbies devem ser monetizados? Tenho sempre que melhorar nisso que faço por prazer? A vida deve ser explorada a qualquer custo?

Quando a vida se torna uma grande arena de competições, mesmo que ganhemos algumas delas, perdemos de vista algo muito precioso: a possibilidade de desfrutar da gratuidade da existência, a qual está posta antes de podermos ganhar ou perder qualquer coisa. Você pode ser um/a atleta olímpica/o frustrada/o com uma medalha, ou um/a jogador/a de fim de semana satisfeita/o. Os mesmos 50 metros podem variar, afinal, para o modo como experimentamos as atividades e a vida, importa mais como fazemos e o sentido do que a atividade em si.

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