A absurda tentativa de pautar o discurso de Lula no velório da sua própria esposa

Por Viegas Fernandes da Costa, para Desacato.info

Terminado o velório de Marisa Letícia, não tardou para que juízes do senso comum e jornalistas raivosos aparecessem denunciando Lula de se aproveitar do corpo morto da esposa para discursar em benefício próprio e de tentar deslegitimar a operação Lava-Jato. Alegam que Lula jamais deveria ter citado as acusações contra si e sua esposa no discurso que fez ao final do velório. Alguns chegam ao cúmulo de comparar as palavras do Presidente de Honra do Partido dos Trabalhadores às desrazoadas palavras de ódio que tomaram as redes sociais tão logo anunciado o acidente vascular da sua esposa.

É preciso compreender, primeiramente, que a capitalização política da morte de uma pessoa como Marisa Letícia é quase inevitável, seja pelos críticos do Partido dos Trabalhadores, seja por aqueles que o defendem. A apoteótica visita de Temer e seu staff a Lula, ainda no hospital, também pode ser lida neste contexto. Muito mais do que um gesto de humanidade ou de humildade daquele que hoje ocupa a cadeira da Presidência da República, a visita no hospital (e não no velório) é apenas mais um lance neste intricado jogo de xadrez que é a política brasileira. Também o PT, ao construir uma narrativa mítica em torno de Marisa, muito além de reconhecer e registrar a importância desta mulher na construção do partido e do projeto de governo capitaneado por seu marido, busca capitalizar para si os dividendos do campo simbólico da sua morte.

Mas Lula é o homem ferido que está sepultando a mulher com a qual viveu e sonhou por quatro décadas! A Lula, mutilado na dor, no momento final em que olha para o rosto da sua esposa, é concedido o direito de desabafar, de gritar, de chorar e de acusar. Lula, ainda que sempre um animal político, é acima de tudo um ser humano na experiência da dor. Julgar e criticar suas palavras no momento final do velório não é exercício de ciência política, mas de cinismo.

Marisa Letícia morreu em meio a uma série de denúncias que colocam em causa a integridade ética do seu marido, dela mesma e de sua família. Até o momento nenhuma prova foi apresentada de que Lula ou Marisa tenham se beneficiado ilicitamente da máquina pública. Nenhum deles foi julgado, a não ser pela imprensa. Se inocentes, a indignação expressa por Lula no velório é totalmente compreensível e justa. Afinal, de um homem inocente o mínimo que se espera é que se indigne contra a injustiça à qual é submetido. Esperar seu silêncio seria como esperar o silêncio dos inocentes.

Não é porque seus algozes o abraçaram, que Lula deveria se calar. Afinal, o torturador não pode esperar o agradecimento do torturado. A pressa com que parte da imprensa julga agora as palavras do marido junto ao caixão de Marisa se equivale ao gesto daqueles que tripudiaram quando do adoecimento e morte da sua esposa, e mostra que, independente de qualquer código moral, o projeto das elites brasileiras é sepultar a qualquer custo tudo aquilo que Lula representa.

* Viegas Fernandes da Costa é historiador, mestre em Desenvolvimento Regional e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.

Imagem tomada de: Tribuna do Norte

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