Por Genevieve Lavoie Mathieu.*
As mulheres são a chave para garantir às suas famílias um fornecimento suficiente de alimentos e estão entre os atores cujas vozes são necessárias no debate sobre a nutrição.
Roma, Itália, 28/11/2014 – O problema da desnutrição tem uma nova dimensão, já que os governos, a sociedade civil e o setor privado começaram a atuar em torno de uma agenda comum com relação à nutrição. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), o “desafio fome zero” apresentado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em junho de 2012, preparou o caminho para que novos atores trabalhem juntos na luta contra a má nutrição.
Entre esses atores estão organizações da sociedade civil (OSC), cuja presença se fez sentir na Segunda Conferência Internacional sobre Nutrição (ICN2), realizada entre os dias 19 e 21 deste mês em Roma. A desnutrição afeta mais da metade da população mundial, segundo a FAO. Em todo o mundo, 200 milhões de crianças estão mal nutridas, enquanto dois bilhões de mulheres e crianças sofrem anemia e outras deficiências nutricionais.
O diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, afirmou em um discurso na conferência que “agora é o momento de tomar medidas audazes para enfrentarmos o desafio da fome zero e assegurar uma nutrição adequada para todos”. Mais de 20 anos depois da primeira Conferência sobre Nutrição, realizada em 1992, a ICN2 representa “o início do nosso esforço renovado”, acrescentou.
Mas desta vez a diferença foi que o setor privado e as OSC estiveram incluídos na ICN2 e no processo prévio à conferência, por meio de consultas via internet e fóruns anteriores ao encontro, como mesas-redondas e eventos secundários. “Esse encontro da sociedade civil é histórico”, afirmou Flavio, secretário-geral da Fian International, uma organização que defende o direito à alimentação adequada.
“É a primeira vez que grupos da sociedade civil trabalharam com a FAO, a OMS e o Comitê de Segurança Alimentar Mundial para analisar a nutrição”, ressaltou Valente. O encontro deu aos movimentos sociais, “entre eles uma ampla gama de atores, como camponeses, pescadores, povos indígenas, mulheres, pastores, pessoas sem terra e pobres urbanos, para que suas vozes sejam ouvidas e possam conversar com organizações não governamentais, acadêmicos e nutricionistas”, explicou.
Um documento de síntese sobre a participação dos atores não estatais na ICN2 afirma que a evidência mostra que o fomento da diversidade permite maior transparência, inclusão e pluralidade no debate político, o que leva a um maior sentido de pertinência e de consenso.
Como tal, “a preparação para a ICN2 foi um primeiro passo para a construção de alianças entre as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais que participam do trabalho com a alimentação, a nutrição, a saúde e a agricultura”, disse Valente à IPS. Isto significa que “os governos já começaram a ouvir nossas demandas e propostas conjuntas, em particular aquelas relacionadas com a governança da alimentação e nutrição”, acrescentou.
Uma enérgica declaração apresentada no último dia da ICN2 pelo Fórum das OSC pede o compromisso com o “desenvolvimento de um mecanismo de governança coerente, responsável e participativo, protegido da influência empresarial indevida, baseado nos princípios dos direitos humanos, da justiça social, da transparência e da democracia, com a participação direta da sociedade civil, em particular das populações e comunidades mais afetadas pelas diferentes formas de má nutrição.
Segundo Valente, a desnutrição é consequência de decisões políticas e de políticas públicas que não garantem o direito humano à alimentação e nutrição adequadas. Nesse contexto, as OSC afirmaram que “a alimentação é a expressão de valores, culturas, relações sociais e livre determinação dos povos, e que o ato de alimentar a si mesmo e a outros encarna nossa soberania, pertinência e empoderamento”.
A má nutrição só pode ser abordada “no contexto de sistemas alimentares locais vibrantes e florescentes que estejam profundamente arraigados ecologicamente, sejam ecologicamente sólidos e culturalmente e socialmente adequados. Estamos convencidos de que a soberania alimentar é um requisito fundamental para garantir a segurança alimentar e o direito humano à alimentação e nutrição adequadas”, segundo as OSC.
Em um encontro de alto nível realizado em abril de 2013, sobre a visão da Organização das Nações Unidas para uma estratégia pós-2015 contra a fome mundial, o diretor-geral da FAO disse que, como o mundo produz alimentos suficientes para alimentar toda a população, é preciso dar ênfase ao acesso à alimentação e à nutrição adequadas no âmbito local. “São necessários sistemas alimentares que sejam mais eficientes e equitativos”, destacou Graziano.
Entretanto, Valente disse à IPS que as OSC acreditam que um dos principais obstáculos para avançar nesse sentido é “a negativa dos Estados em reconhecer algumas das causas fundamentais da má nutrição em todas as suas formas”. E acrescentou que “isto faz com que seja muito difícil elaborar políticas públicas internacionais e nacionais que abordem com eficácia os problemas estruturais e, portanto, sejam capazes não só de tratar, mas também de prevenir novos casos de má nutrição”.
Para o secretário-geral da Fian International, é necessário abordar “os sintomas de má nutrição”, mas também a obtenção dos recursos, o insustentável sistema alimentar predominante, o modelo agroindustrial e os acordos comerciais bilaterais e multilaterais que limitam significativamente a margem de atuação dos governos nacionais nos assuntos relacionados com a alimentação e a nutrição.
No entanto, Valente enfatizou que “as coisas estão mudando”. As OSC se mobilizaram em torno dos problemas de alimentação e nutrição, o movimento pela soberania alimentar cresceu em sua resistência desde a década de 1980 e as sociedades exigem medidas de seus governos de uma maneira organizada, destacou.
*Da IPS
Foto: Fian International
Fonte: Envolverde/IPS