O Brasil perdeu nove posições no ranking de igualdade de gênero (Global Gender Gap Report – GGGR) do Fórum Econômico Mundial de Davos. Em 2013, ocupava a 62ª posição e caiu para a 71ª colocação na lista. O GGGR avalia as diferenças entre homens e mulheres na saúde, educação, economia e nos indicadores políticos, em 142 países.
Por José Eustáquio Diniz
Em artigo anterior (Alves, 23/11/2011) apresentei uma crítica consubstanciada ao relatório do Fórum Econômico. Naquela ocasião, minha crítica maior foi em relação aos índices de educação. A metodologia foi mudada e agora o Brasil não aparece com déficit feminino no sistema educacional (mas também não aparece com superávit). Tanto melhor assim.
Todavia, no relatório de 2014, apesar de o Brasil ter mantido a igualdade entre homens e mulheres nas áreas de saúde e educação, o país perdeu posições nos índices que medem participação feminina na economia e na política. A maior queda ocorreu na avaliação que considera salários, participação e liderança feminina no mercado de trabalho.
Com isto o Brasil fica bem atrás da Islândia (que ocupa o topo do ranking), de outros países nórdicos e até mesmo da Nicarágua, Ruanda e Filipinas que estão entre os dez países com maior igualdade de gênero. O que mais pesa na baixa performance brasileira é a participação na política parlamentar.
De fato, o Brasil tem uma das menores taxas de participação na Câmara Federal, em 2014, apenas 8,8% dos assentos são ocupados por mulheres. Na próxima legislatura (2015-2018) serão 9,9%, muito abaixo da média mundial de 23%, sendo que Ruanda é o único país com maioria feminina no parlamento.
Mas se o Brasil tem grande desigualdade de gênero no Poder Legislativo, está na frente da maioria dos países do mundo em outro quesito, pois possui uma mulher no topo do Poder Executivo que foi eleita em 2010 e reeleita em 2014, sendo que as candidaturas femininas tiveram cerca de dois terços dos votos nas duas últimas campanhas presidenciais. O eleitorado brasileiro está avançado em termos de gênero e o sexismo está mais no controle exercido pelos partidos do que num suposto machismo da população. O GGGR deveria considerar a presença feminina na chefia do Poder Executivo e não somente Legislativo.
Em relação à participação no mercado de trabalho, o avanço das mulheres brasileiras foi enorme nas últimas 6 décadas, conforme mostrei em artigo (Alves, 04/08/2013) publicado no Instituto de Economia da UFRJ. Em 1950, a taxa de atividade feminina era de 13,6% contra 80,8% da masculina. Em 2010, quase metade das mulheres estavam no mercado de trabalho (48,9%), enquanto as taxas masculinas cairam para 67,1% (os homens atualmente entram mais tarde e saem mais cedo dos postos de trabalho). Portanto, houve uma grande redução do hiato (gap) de participação de gênero no mercado de trabalho no Brasil.
No conjunto, o empoderamento feminino foi significativo. As mulheres brasileiras possuem menores taxas de mortalidade e vivem mais tempo do que os homens (esperança de vida de 77 anos contra 70 anos dos homens). Em 2012, houve 152.013 óbitos por causas externas, sendo 125.253 homens (82,4%) e 26.606 mulheres (17,6%). A violência mata mais as pessoas do sexo masculino e, consequentemente, as mulheres são maioria dos habitantes e a cada ano aumenta o superávit feminino na população total do país. Em 1932 elas conquistaram o direito de voto e se tornaram maioria do eleitorado a partir de 1998. A cada nova eleição aumenta o superávit feminino no eleitorado. As mulheres entraram em massa em todos os níveis educacionais e já superam os homens em todos os níveis de ensino, incluindo mestrado e doutorado. Cresceu a participação feminina no mercado de trabalho e houve redução do hiato ocupacional e salarial. As mulheres obtiveram diversas vitórias na legislação nacional e o reconhecimento constitucional de direitos iguais entre os sexos. Elas são maioria nos beneficiários do Programa Bolsa Família, de outras políticas públicas e dos beneficiários da Previdência Social. Nas duas últimas olimpíadas (Pequim, 2008 e Londres, 2012) conquistaram 2 das 3 medalhas de ouro trazidas ao Brasil. Ou seja, passaram do status de excluídas das Olimpíadas até 1932, para líderes desses esportes no século XXI.
Assim, as mulheres avançaram em muitas frentes e chegaram ao comando do posto máximo da República a partir das eleições de 2010 e 2014. Embora existam algumas áreas ainda atrasadas no processo de inclusão feminina, o enfraquecimento do patriarcalismo é uma realidade no país. Neste sentido, a perda de posição do Brasil no ranking do GGGR não deixa de ser estranha e pode refletir muito mais falhas na metodologia do que a fraqueza brasileira diante da Nicarágua, Ruanda, Filipinas e outros países com menor autonomia feminina.
José Eustáquio Diniz é doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE
Referências:
ALVES, JED. Desigualdade de gênero no Brasil e o GGGI do Fórum Econômico Mundial, Ecodebate, RJ, 23/11/2011
http://www.ecodebate.com.br/2011/11/23/desigualdade-de-genero-no-brasil-e-o-gggi-do-forum-economico-mundial-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O crescimento da PEA e a redução do hiato de gênero nas taxas de atividade no mercado de trabalho, APARTE, IE/UFRJ, 04/08/2013
http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/artigo_112_a_reducao_do_hiato_de_genero_nas_taxas_de_atividade_no_mercado_de_trabalho.pdf
World Economic Forum. The Global Gender Gap Report 2014, Geneva, Switzerland, oct 2014
http://www.weforum.org/reports/global-gender-gap-report-2014
BBC. Brasil cai 9 posições em ranking de igualdade de gênero, 28 outubro 2014
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/10/141028_desigualdade_full_lab
Foto: Edmara Rangel
Fonte: Agência Patrícia Galvão