Técnico da Sabesp confirma que a empresa e o governo paulista priorizam o corte no fornecimento de água nas periferias. Visita à zona sul paulistana mostra escola fechada por falta d’água, regiões que ficam até nove dias sem recursos hídricos e moradores reclamando que da torneira sai um líquido com “gosto de lama”
Por Igor Carvalho.*
No último debate entre os postulantes ao governo paulista, realizado no dia 30 de setembro nos estúdios da TV Globo, o candidato e vereador paulistano Laércio Benko (PHS) perguntou ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) sobre a falta de água no estado. Na resposta, o tucano foi enfático: “Não falta água em São Paulo. Não vai faltar água em São Paulo.
“No dia 6 de outubro, logo após ser reeleito, Alckmin voltou a manter um compromisso estreito com a distribuição da água à população, negando a escassez. “Não tem falta. Se houver algum caso, é só mandar que nós vamos verificar. A única hipótese de ter falta é quando você troca o sistema, mas é uma coisa pontual e transitória”, afirmou o tucano.
Então, se o governador falou, devemos confiar, certo, Dona Rute? “Não, é mentira. Falta água todos os dias aqui em casa e isso tem nos trazido muitos problemas”.
Sem desconsiderar a importância do depoimento de Dona Rute, nossa reportagem foi ouvir o poeta Binho, fundador do Sarau que leva seu nome e morador do Campo Limpo, vizinho ao terminal de ônibus da região. “Aqui falta água faz tempo já, não é verdade que não tem racionamento em São Paulo.”
Teria o governador mentido à população? “Ele está mentindo de forma reiterada. Já sabemos, há muito tempo, não é só na zona sul, nas zonas oeste e norte a falta de água é uma realidade constante”, aponta o deputado estadual Luiz Cláudio Marcolino (PT).
O que pode acontecer quando um governador mente para a população que governa? Para o deputado estadual Alencar Santana (PT), a solução pode ser tirá-lo do cargo. “Do ponto de vista político, é passível de impeachment. Do ponto de vista jurídico, precisa ter cautela, pois teríamos que juntar provas e argumentos que nos levem a essa condição.”
Carlos Giannazi (PSOL), também deputado estadual, seguiu a mesma linha de cassação do governador e protocolou, no último dia 24 de outubro, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), um pedido de impeachment de Alckmin.
“Nenhuma ação governamental foi tomada [para conter a falta d’água]. Ao contrário, a crise foi ‘escondida’ para não prejudicar o processo de reeleição do governo estadual – um verdadeiro estelionato eleitoral praticado contra o cidadão paulista”, afirma o psolista, no documento que pede o impeachment do governador.
Giannazi tomou conhecimento da omissão do tucano quando a Fórumrevelou áudios de uma reunião da Sabesp que mostram a presidenta da empresa, Dilma Pena, admitindo ter recebido “ordens superiores” para não comunicar à população a crise hídrica enfrentada no estado.
Um dia transitando entre algumas regiões periféricas da zona sul permitem uma fácil desconstrução do discurso proclamado constantemente pelo governador Geraldo Alckmin. Na favela Godoi, no Jardim Umuarama, a carroceira Dona Rute de Carvalho e mais quatro pessoas dividem uma moradia com três cômodos e sem nenhuma caixa d’água.
“Parece que moramos no deserto”, compara Dona Rute, tentando explicar as circunstâncias vividas por sua família desde o começo do ano, quando teria começado o racionamento de água em sua casa. “Ah, quando é 7h já não tem mais [água]. A gente tem que ficar de plantão o dia inteiro, esperando a água chegar. Aí corre pra encher balde, panela e guardar tudo.”
Vizinha de Dona Rute, Rose corrobora a versão da carroceira e chama a atenção para períodos extensos de corte no fornecimento. “Além de faltar todo dia, chegamos a ficar cinco dias sem água em casa.” Outro vizinho, mais perto, comenta: “Uma vez foram nove dias sem água.”
O poeta Binho credita ao governador Alckmin, a culpa pelos cortes de água constantes na região. “É claro que se não chove vai ter problema, e até mesmo a falta de chuva é um problema nosso também, que não sabemos cuidar da natureza, mas se houvesse obras para aumentar a capacidade de abastecimento, não estaríamos passando por isso”, pondera o poeta, confirmando que Alckmin mentiu para Dona Rute.
Algo comum nos casos de Dona Rute e Binho é a qualidade da água. “Tem um gosto de lama, uma cor estranha, de barro”, afirma a carroceira. O poeta também reclama. “Não bebo água da torneira de jeito nenhum, não uso nem pra cozinhar. Mas quando vou escovar os dentes, sinto um gosto muito ruim.”
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que não registrou, em suas unidades de atendimento à população, casos relativos à qualidade da água. Porém, a Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa) detectou a presença de metais pesados na água distribuída na capital. Em 305 amostras de água colhidas na capital, no mês de setembro, em 10 foram encontradas a presença de metais pesados.
Quando comprou, há cinquenta anos, um terreno no Parque Arariba, Sau José Clemente preferiu não fechar um poço que fica na frente da área. Por conta da crise hídrica, ele decidiu reativar a fonte alternativa de água.
“Gastei R$ 1.500 para fazer o poço voltar a funcionar. Só fiz isso porque está faltando água aqui no nosso bairro”, afirma Sau, que tem ajudado outros moradores. “Quando acaba a água por muito tempo, o pessoal vem pedir água pra mim, já chegam com balde e garrafa, sempre ajudo.”
O poço, que tem 14 metros de profundidade, tem ajudado a família na rotina da casa. “Com a água do poço, enchemos a caixa d’água, lavamos o quintal, regamos as plantas e lavamos roupa e louça”, explica Dilma Clemente, companheira de Sau.
Sau acredita que a culpa pela crise hídrica é a falta de chuva e da população, que não sabe usar a água com responsabilidade. “O que o governador pode fazer se não chove? Além disso, a gente anda por aí e vê as pessoas lavando calçadas e ruas, seus carros, uma hora acaba.”
Para o deputado Marcolino (PT), conscientizar a população sobre a origem da crise hídrica é a parte mais difícil. “A grande mídia trabalhou muito bem nesse papel de distorcer os reais motivos da falta d’água em São Paulo. A manipulação foi tamanha que fez o cidadão se sentir culpado por essa situação.”
Na tentativa de debater os problemas gerados pela crise hídrica e trazer o governador para o centro dessa celeuma, a oposição encontra dificuldades políticas na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). “Nós precisamos forçar esse debate dentro da Alesp, mostrar que o Alckmin mente reiteradamente. Porém, a base aliada não permite que questionemos publicamente o governador”, afirma Marcolino.
José Mairton, diretor de base do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema) e técnico da Sabesp, admite que há racionamento e que, propositadamente, ele é direcionado às periferias.
Racionamento não oficializado na periferia
“Desde maio do ano passado já acontece esse racionamento, não oficializado por motivos políticos. O pior é que é só a parte periférica que sofre. Com certeza, com a falta de água no sistema em algum lugar vai ter racionamento, só que a administração da Sabesp e o governo Alckmin prejudicam mais a periferia. Não tem água para suprir todo mundo, fecham-se, então, os registros dos mais pobres”, afirma Mairton.
A revelação de Mairton comprova mais uma vez que Alckmin mentiu para Dona Rute, para o Binho, para o Pow, para o Sau e para você. “É o fim da picada. Isso é crime, essas informações são de interesse público e deveriam ser divulgadas para que a população possa se defender”, lamenta o deputado Alencar.
Escola fechada e alunos dispensados
Quando questionado, no último dia 3 de novembro, sobre as denúncias de que escolas e creches estariam com problemas de falta d’água e, portanto, dispensavam seus alunos, Alckmin respondeu:
“Não tem nenhuma procedência. Não temos falta d’água em nenhuma escola. Sempre colocamos que o pior já vinha passando e que a cada dia estamos mais perto do período chuvoso”, ponderou o governador.
No último dia 7 de novembro, a reportagem de Fórum e o Observatório Popular de Direitos estiveram no Jardim Umuarama, acompanhando a rotina de Dona Rute e sua família. Débora de Carvalho Santos, sua filha, deveria estar na Escola Estadual Fernando Gasparian, onde cursa o 3º ano do colegial, mas não estava.
“Faz uma semana que nos dispensam todos os dias”. Quando perguntada sobre o motivo, Débora não hesita. “Não tem água, moço, nunca tem, aí mandam a gente pra casa. Agora ainda tá suave, chegamos a ficar 19 dias sem ter aula aqui.”
Um outro morador da região, Silas Jovino, confirmou que os alunos não estão tendo aulas. “Ah, isso aí é direto, tem dia que eu nem mando meu filho pra escola porque já sabemos que não vai ter aula. Quero ver quando que essas crianças vão repor essas aulas, esse ano nunca vai acabar.”
Perguntada sobre o fechamento da escola, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo desmentiu os moradores do Jardim Umuarama. “As aulas transcorrem normalmente. Se houver algum problema, o caminhão pipa é acionado e caso haja algum conteúdo perdido ele será reposto.”
*Da Revista Fórum
Fotos: Sarah Pabst
Fonte: Revista Fórum