Mais de 340 companhias multinacionais, incluindo Bradesco e Itaú, lucraram com acordos secretos firmados entre 2002 e 2010; Juncker está na mira de polêmica.
Por Patrícia Dichtchekenian.
Após seis meses de investigação, o ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos) vazou na noite de quarta-feira (05/11) uma série de arquivos que ganhou a alcunha de “Luxleaks”. São documentos que comprovam como mais de 340 empresas multinacionais obtiveram lucros milionários a partir de operações secretas realizadas em Luxemburgo, um paraíso fiscal utilizado por companhias para reduzir gastos com impostos.
Em resposta, a Comissão Europeia, o órgão executivo da UE (União Europeia), tomou a decisão nesta quinta-feira (06/11) de investigar se essas operações fiscais apresentam irregularidades ou violações na legislação do continente. Estima-se que os acordos secretos firmados entre 2002 e 2010 pelas autoridades luxemburguesas e as grandes companhias internacionais permitiram que as empresas pagassem apenas 2% do lucro em impostos de renda. Entre as firmas envolvidas no escândalo, destacam-se nomes como Apple, Amazon, Heinz, Pepsi, Deutsche Bank e até bancos brasileiros como Itaú e Bradesco, segundo revelou reportagem do jornal Folha de S. Paulo.
Por muito tempo, grandes empresas se apoiaram sob as regras fiscais flexíveis de Luxemburgo, aproveitando-se das deficiências dos regulamentos internacionais. Uma das questões que a Comissão Europeia examina, portanto, é o motivo pelo qual o paraíso fiscal não notificou seus parceiros europeus, apesar de estar consciente da estratégia de evasão de impostos. Em si, tal prática não representa um crime, mas, dependendo dos acordos, pode ferir certas normas do bloco europeu.
As revelações dos documentos também resvalam no novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Entre 1995 e 2013, ele foi o primeiro-ministro de Luxemburgo. O cargo que exerceu por 18 anos coincide com o período em que grande parte desses acordos secretos foi estabelecido.
Juncker: em seu mandato, pretende focar em questões econômicas como estabilidade das finanças, do crescimento e emprego.
As especulações sobre o ex-premiê no escândalo aumentaram nesta manhã, após Juncker cancelar presença em uma conferência sobre a Europa, em Bruxelas, logo após as denúncias do ICIJ. A ausência de Juncker foi justificada após o ex-premiê descobrir que Jacques Delors, antigo presidente da Comissão Europeia, que também era orador no evento, iria faltar por motivos de doença. Tal comunicado gerou uma série de críticas dos organizadores do evento.
Eleito líder da Comissão em 15 de julho deste ano, Juncker nutre uma rusga com o premiê do Reino Unido, David Cameron, que disse à época que tal data simbolizava “um dia ruim para Europa” , em um “grave erro dos líderes europeus” ao nomeá-lo. Na ocasião, a imprensa britânica fez uma polêmica campanha para provar que Junker era alcóolatra, mas não foi suficiente para evitar a vitória do luxemburguês.
Investigação do escândalo
Desde junho, a Comissão Europeia investiga as práticas em Luxemburgo. O órgão interpreta que as vantagens concedidas podem ser potencialmente comparadas a uma espécie de auxílio estatal ilegal e que, portanto, seria passível de punição. Ao El Pais, um porta-voz do executivo da UE afirmou hoje que Juncker estava “sereno” e não iria interferir na investigação. À época, Juncker disse que a comissão tinha “todo o direito de investigar questões desse tipo” e prometeu “não abusar” de sua posição.
Nesta quinta, a porta-voz de Juncker, Margaritis Schinas, declarou à AFP que a Comissão Europeia está disposta a sancionar Luxemburgo, se houver necessidade. Em reação à polêmica, o atual premiê de Luxemburgo, Xavier Bettel, sucessor de Juncker, declarou hoje que os acordos com as mais de 300 empresas “respeitam as regras nacionais e internacionais” e que o governo o qual preside “caminha em transparência e equidade”.
Nos dias 15 e 16 de novembro está prevista uma cúpula que reunirá diversos chefes de Estado e de Governo na Austrália para adotar um plano com o intuito de lutar contra as operações fiscais agressivas das corporações multinacionais.
Em entrevista ao Le Monde, o ministro das Finanças do Luxemburgo, Pierre Gramegna, defendeu o sistema fiscal vigente no país. Para ele, a prática está em conformidade com as leis. “A manutenção de uma competitividade leal entre os Estados dentro do domínio fiscal é indispensável”, assegura Gramegna.
Os resultados das eleições europeias no fim de junho deste ano retratam a clara insatisfação dos cidadãos do bloco em relação ao rumo tomado pela União Europeia e pelos governos nacionais nos últimos anos, marcados pela crise financeira e pela austeridade econômica.
Fonte: Opera Mundi