Por Adolfo Pérez Esquivel
Segunda-feira (13), a imprensa haitiana – talvez mais ninguém – publicou a notícia de que os chamados “doadores internacionais”, convocados a comprometer-se com o Plano de erradicação do cólera no Haiti, ofereceram apenas 52,5 milhões de dólares dos 310 milhões de dólares necessários para os próximos três anos. Acrescentou que a reunião em Washington foi convocada pelo Banco Mundial, por iniciativa das Nações Unidas.
Hoje, provavelmente, também seja apenas a imprensa haitiana a noticiar que o Conselho de Segurança dessas mesmas Nações Unidas votou, nesta manhã, para autorizar mais um ano de permanência da Minustah, sua Missão pela Estabilização do Haiti, estabelecida há 10 anos nesse pequeno país caribenho, berço de grandes contribuições para a história da humanidade, como o fim da escravidão. Talvez acrescentem que o orçamento anual de U$ 500 milhões já tinha sido aprovado para a manutenção desta força de ocupação, responsável, entre outros despropósitos, pela introdução da bactéria do cólera, que matou mais de 9 mil haitianos e haitianas e continua causando estragos, sem que as Nações Unidas reconheçam sua responsabilidade ou menos ainda, assegurem a reparação do verdadeiro crime cometido.
Esta desordem de prioridades é um profundo equívoco que, atualmente, sofre o povo haitiano, como tantos outros, com graves consequências para seu futuro e o de nosso mundo inteiro.
Centenas de organizações e pessoas da América Latina, do Caribe e de outras partes do mundo, às vésperas da votação, novamente se dirigiram às autoridades e governos 2014 envolvidos na ocupação do Haiti, para reivindicar a não renovação desta Missão chamada de “Paz”. Porém, o mesmo Conselho de Segurança, que o irmão Evo Morales recentemente batizou de “Insegurança”, continua afirmando que o Haiti é um perigo para a paz da região e, contra toda evidência, renova a presença desta força tutelar que, longe de “estabilizar” a sociedade haitiana, viola seus direitos humanos mais básicos, minando o funcionamento de suas instituições e submetendo por completo sua soberania e autodeterminação.
Na carta que também encaminhamos às instituições de integração regional, como a Unasul e a Celac, repudiamos especialmente o fato dos governos e parlamentos de muitos de nossos países latino-americanos – responsáveis pela maior parte do contingente da Minustah – aceitarem participar da terceirização desta ocupação e do processo de recolonização em marcha, fazendo-se omissos quanto à vontade do povo e aos dois pedidos do Senado haitiano. Isso tudo apesar do exemplo dado por outros países, como Cuba e Venezuela, que continuam mostrando que uma cooperação que respeite a soberania, os direitos e as necessidades do povo é possível.
Reiteramos nosso apelo pela retirada imediata de todas as tropas que ocupam o Haiti. Em seu lugar, geraremos uma verdadeira força de solidariedade, transpondo a desordem de prioridades estabelecida, escutando as demandas e propostas das organizações populares haitianas, contribuindo com a construção de novos paradigmas de cooperação para um novo pacto de civilização.
Fonte: Brasil de Fato
Foto: Reprodução