(Dedicado ao filho do seu Thomé)
(…) Fomos para um dos nossos muitos lugares maravilhosos, um dos mais maravilhosos de todos, onde a civilização ainda não chegou e o rio é amplo, calmo, largo.
Para se chegar lá existe uma estradinha estreita, dando voltas e mais voltas, e nessa estrada, dentro de uma curva, existe uma casa antiga, de tijolos vermelhos e antigos, sufocada entre muitas árvores antigas, sombria, silenciosa e solitária, e um dia, quando passávamos por lá, você me contou que, nos seus tempos de garoto, quando passava naquela mesma estradinha junto com o seu pai, ele lhe dizia que aquela era a Casa da Bruxa. E eu imaginava você sentado ao lado do seu pai, com as suas mãos juntas das dele no volante do carro para aprender a dirigir(…). E imaginava você menino sonhador, a caminho de uma pescaria, com um receio supersticioso de passar pela Casa da Bruxa, você e seu pai, você e ele, ele tão parecido com você, com a mesma personalidade forte, com o mesmo corpo robusto, a mesma cor no rosto, o mesmo desenho dos lábios, ambos tendo orgulho um do outro – para ele, você sendo a realização dos sonhos mais caros; para você, ele sendo o guia e o protetor que o dirigia pelos meandros intrincados da estrada de um menino que está descobrindo o mundo. E agora você foi embora, você, o sonho lindo da vida dele, e eu vi o corpo dele curvado como uma árvore vergastada pela tempestade, vi a amargura no rosto dele, vi os olhos dele pisados, doloridos, e isso me doeu tanto, tanto! Isso é crueldade, Deus, é crueldade mesmo, como é que pode? Não é justo, Deus, não é justo dar a um homem um menino para guiar pela mão, para ensinar a pescar, para ensinar a dirigir, um menino com uma personalidade a ser moldada e com sonhos para ser sonhados, um menino para amar e ser amado, dar a um homem um menino lindo, sensível, perfeito, deixar esse homem amar esse menino por anos e anos, deixar o homem ver esse menino se transformar também em homem, e amar esse homem que foi o seu menino, e sonhar por ele, e confiar nele, para depois, de uma maneira tão brusca e tão violenta, perder o menino que ele tanto amou. Não é justo, Deus, não é justo, nunca vou poder concordar que isso seja justo.
É injusto e é cruel ver aquele homem curvado, abatido(…)
Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutora em Geografia.
(Escrito em 1973)