Por Saptarshi Ray.*
Escoceses provenientes da Índia e do Paquistão buscam fazer a diferença pelo “Sim” no referendo do dia 18
Separações são sempre difíceis. Quando dois países estiveram juntos por tanto tempo que parece difícil lembrar o que os uniu originalmente, é natural que um deles – orgulhoso detentor da memória de sua antiga nação, suas lutas e cultura – queira se libertar.
Neste caso, é a Escócia que afasta de seus ombros os braços da Grã Bretanha, como em um daqueles momentos diante da TV nos quais, subitamente, o conforto de estar juntos se torna um incômodo. Cansada de estar unida a Westminster, apesar de seu parlamento próprio, bem como às políticas econômicas e externas que afetam a posição internacional do Reino Unido e de cada um de seus componentes, a Escócia está em uma busca espiritual para descobrir o que realmente deseja para si, como nação.
A Escócia está para decidir, em um referendo a ser realizado no próximo dia 18 de setembro, se quer abandonar a união com a Inglaterra, o País de Gales e a Irlanda do Norte. A campanha, focada na influência econômica e política da união, também foi lutada em outros frontes. Para um grupo de nações que compartilha tantas características, ainda é difícil dizer com certeza o que a ruptura com o primo caledônio significaria.
Nasar Meer, professor de ciências sociais na Universidade de Strathclyde, em Glasgow, diz: “Se a Escócia independente honrar as propostas que seus defensores acreditam que irá honrar, teremos um afastamento radical do Thatcherismo que ainda domina a política em Westminster. Ela seria, portanto, um país no norte da Europa rico em energia, de centro-esquerda, progressista tanto social quanto politicamente e desprovido de armas nucleares”.
Para alguns escoceses, o principal problema é se separar de seu velho inimigo, a Inglaterra, tão dominante na vida cotidiana ao longo dos últimos 300 anos, desde o Ato de União de 1707. Para outros, trata-se de exigir o que é de seu direito – os lucros da exploração do petróleo no Mar do Norte, que acabam indo parar em outro lugar – e colocar um fim nos impostos desproporcionais aos gastos (na Escócia), recolhidos pela Grã-Bretanha.
Alex Salmond, primeiro-ministro escocês e líder do Partido Nacional Escocês, tornou-se uma das principais figuras da campanha pelo ‘Sim’. Ele mobiliza o orgulho escocês e tenta reacender as paixões dos guerreiros célticos de outrora, hoje reservadas majoritariamente para eventos esportivos, como o torneio de rúgbi das Seis Nações. Descrevendo recentemente David Cameron e os políticos de Londres como “ladrões que saqueiam o ouro negro da Escócia”, Salmond está preparado para alimentar qualquer polêmica, na busca pela independência.
Fazendo eco ao estridente chamado, Aamer Anwar, advogado e há muito tempo defensor da independência, diz: “O país terá liberdade, poderá decidir seu próprio destino, sem interferências. Determinar suas políticas na defesa, saúde e economia. Não seremos mais associados a uma nação belicista ou completamente desconsiderados”.
Na campanha pelo ‘Não’, surpreendentemente, há figuras antigas do Partido Trabalhista (Labour Party) – um dos grupos com maiores chances de obter influência e postos no Parlamento, caso a Escócia se torne independente. Nas eleições de 2010, a mudança de votos do trabalhista Gordon Brown para o conservador David Cameron em boa parte da Inglaterra acabava exatamente na fronteira norte. Liderada pelo ex-chanceler Alistair Darling e pelo líder do partido trabalhista Anas Sarwar, a campanha pelo ‘Não’ argumenta que a prosperidade e a segurança coletivas são melhores para a nação. Os argumentos são sustentados pela ameaça agressiva, vinda do sul, de que a Escócia talvez não consiga manter a libra britânica, sua filiação à União Europeia ou à OTAN, e de que poderia perder a BBC e encarar acordos comerciais desfavoráveis.
Assim como o restante da Grã-Bretanha, a Escócia tem uma rica tradição de recepção de imigrantes, possuindo uma robusta comunidade asiática que integra seu tecido sociopolítico. Tanto que há uma campanha dos Escoceses Asiáticos pelo Sim. Anwar é seu porta-voz: “Por muito tempo, os governantes do Reino Unido ignoraram a comunidade asiática, sempre estiveram prontos a agir de maneira racista contra nós. Como asiático escocês, eu me sinto mais bem aceito, menos vulnerável a sofrer racismo do que outros asiáticos britânicos. Ser escocês é uma identidade que transcende cor, classe ou religião”.
Tasmina Ahmed Sheikh, advogada, atriz e militante pelo ‘Sim’, sustenta a mesma opinião. “A identidade asiático-escocesa é muito forte… Se você perguntar por aí, descobrirá que somos muito orgulhosos tanto de ser escoceses, quanto asiáticos. E nossos votos farão uma grande diferença nesta campanha”.
Em uma pesquisa realizada recentemente pela Awaz FM, a principal estação de rádio da Escócia, 64% dos ouvintes apoiavam a independência. “Os asiáticos escoceses sempre se identificaram como escoceses, e estão pluralizando o significado dessa identidade”, diz Meer. “Mas ainda estamos muito longe de ter o tipo de pluralidade como a que caracteriza a identidade britânica, como vimos nas Olimpíadas de Londres e em outros lugares. A melhor questão talvez seja: o espírito escocês é mais aberto aos britânicos asiáticos do que o espírito inglês? Quando você pensa na Escócia, você pensa em pessoas como Mo Farah (atleta britânico nascido na Somália), Jessica Ennis (atleta inglesa) ou Monty Panesar (jogador inglês de críquete de ascendência indiana)? Ainda não”.
O que levanta a questão de como uma Escócia independente lidaria com os países da Commonwealth, especialmente a Índia e o Paquistão, lembrando que, segundo o velho ditado, a Inglaterra pode ter criado o Império, mas foram os escoceses que o administraram.
Shab Jaffri, outro membro da campanha dos Escoceses Asiáticos pelo Sim, diz: “Esses países nunca foram colônias escocesas, e a Escócia continuará a construir relações excelentes com a Índia e o Paquistão por causa do intenso vínculo com os escoceses asiáticos”.
No entanto, Meer vê um problema. “Ao longo dos vários ciclos de expansão imperial e assentamento colonial, a Escócia desenvolveu relações comerciais exploratórias em relação à Índia. Nas palavras do terceiro Conde de Rosebery, estas relações ‘escoticizaram a Índia e orientalizaram a Escócia’. Desta forma, nas partes mais lucrativas da Companhia das Índias Orientais, conforme demonstrado pelo historiador Tom Devine, cerca de metade dos contadores e cadetes eram escoceses. A partir de meados do século 19, o raj britânico ganhou forma sob o governo de um escocês (James Dalhousie), enquanto o escocês Charles Napier anexou o Sind (província do Paquistão)”.
Sheikh, entre outras pessoas, acredita que a opinião pública no exterior esteja a favor da independência. “Eu viajo muito, especialmente para o sul da Ásia e para o Oriente Médio, e as pessoas no exterior sempre dizem: ‘Por que alguém não votaria pela separação?’. Para quem vê de fora, parece um absurdo”.
Absurdo ou não, até mesmo o astro pop David Bowie se envolveu, à sua maneira tipicamente excêntrica, enviando a modelo Kate Moss para receber um prêmio e ler uma declaração incoerente que terminava, de maneira confusa, com “Escócia, fique conosco”. É difícil separar o que é pessoal do que é político nesta controversa questão. A Grã-Bretanha fez o que foi possível para evitar, mas será que o coração da Escócia já está em outras paragens?
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada na Outlook India, revista semanal indiana com cobertura sobre política e assuntos de interesse geral.
Fonte: Opera Mundi