Como os jovens politizados tornaram-se formadores de opinião na família

jovem

Em uma casa numa rua estreita de Heliópolis, maior favela de São Paulo, a jovem Fernanda Macedo de Araújo, de 17 anos, aprendeu que “tudo o que faz é política”.

Estudante do 3º ano do ensino médio, Fernanda é integrante de um grupo de participação juvenil organizado pela ONG Unas (União de Núcleos e Associações dos Moradores de Heliópolis e Região).

Na sede da ONG, adolescentes participam de oficinas sobre direitos humanos, fazem campanhas para escolher lideranças regionais e organizam festas comunitárias e palestras. As eleições de outubro são parte do debate.

“Acho importante discutir. Às vezes eu converso com o meu pai sobre o assunto enquanto assistimos ao jornal”, diz Fernanda. “Ele ficou surpreso: não sabia que eu sabia tanto! Isso até aproximou a gente. Ele me diz: ‘Não vota nesse cara porque ele não vale nada’. Um fala pro outro o que sabe e acaba influenciando o outro.”

Fernanda, que votará pela primeira vez em outubro, se insere em um perfil de jovens que, segundo analistas, está se tornando mais comum, sobretudo na nova classe média: mais familiarizados com a internet e bem informados que seus pais, esses jovens estão virando, a seu modo, formadores de opinião com cada vez mais influência em suas famílias e comunidades.

“Os jovens são um terço do eleitorado (cerca de 45 milhões de pessoas), mas são, em média, mais escolarizados e conectados que seus pais”, diz à BBC Brasil Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisas Data Popular e autor de estudos sobre o tema.

“Esse jovem não quer só escutar, quer contestar. Muitos não acreditam em partidos ou organizações verticais e se organizam por causas e bandeiras.”

Descrença

O papel dos jovens na política é o tema da terceira semana da cobertura especial de eleições da BBC Brasil. A participação juvenil nas eleições de 2014 foi um dos principais assuntos levantados pelos leitores da BBC Brasil em consultas em fóruns nas redes sociais. Para muitos, a juventude está descrente com os rumos da política e pouco interessada em tomar parte no processo eleitoral.

De fato, muitos dos jovens consultados pela reportagem dizem que eles próprios e seus amigos falam pouco de política em casa, leem sobre o tema apenas superficialmente e não se veem representados por quem está no poder.

E o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diz que o número de eleitores entre 16 e 17 anos caiu 30% em relação ao eleitorado de 2010 – embora esse fenômeno não se deva necessariamente ao desinteresse político, mas sim ao envelhecimento da população e a mudanças na metodologia da contagem.

Mesmo assim, uma pesquisa realizada em 2013 pela Secretaria da Juventude da Presidência da República aponta que 54% dos entrevistados de 15 a 29 anos viam a participação política como muito importante – apesar de 38% dizerem não gostar do tema.

Para Renato Meirelles, há entre os jovens o menor índice de crença em partidos políticos. “Mas isso não quer dizer que eles não acreditem no poder do voto.”

É o caso do ativista e produtor cultural Paulo Ishizuka, 24 anos, de Guarulhos (SP). Ativo nos protestos de 2013, ele agora vê no pleito de 2014 a chance de levantar bandeiras caras aos que saíram às ruas no ano passado.

“Apesar do descrédito nas eleições, ainda boto fé por ser o único modo de podermos colocar representantes (no poder)”, diz ele. “Dois anos atrás, não tinha ninguém falando de legalização (da maconha), de democratização da mídia. Hoje, estou vendo mais candidatos com um histórico de lutas populares. E esse pessoal está assumindo compromissos diante de gente que tem engajamento e argumentos. É melhor do que votar nulo.”

‘Pequenos tabus’

Ao contrário de Fernanda e seu pai, Paulo não tem tanta afinidade política com sua família. No entanto, nem por isso deixa de influenciá-la.

“Minha família (mãe e irmãos) é bem conservadora e sempre fui a ovelha negra. Nossos debates de hoje em dia são em voz alta. Mas tenho abertura quando eu falo. Já consegui derrubar preconceitos contra cotas raciais, contra o uso de maconha ou mesmo a ideia de que produtor cultural é vagabundo. São pequenos tabus que vão se quebrando.”

Meirelles, do Data Popular, diz que o relato de Paulo não é exceção.

“O jovem não necessariamente vai influenciar em quem os pais vão votar, mas vai checar o histórico dos candidatos para os pais na internet ou orientar alguns dos temas que serão mais ou menos predominantes no voto”, afirma.

O estudante universitário paulista Paulo Carvalho, 18 anos, é a quem o pai dele recorre quando tem dúvidas sobre como mexer no celular. E durante essas conversas, temas da política também aparecem de vez em quando.

“Meu pai não sabe mexer no smartphone e sempre me chama. Eu acabo falando: ‘baixa esse aplicativo que é muito legal, vê esse blog’. E eles (adultos) acabam tendo acesso a essa informação de forma diferente também, em vez de só ouvir alguém falando no telejornal”, diz Paulo, morador de Itaim Paulista, bairro no extremo leste de São Paulo.

Ele acabou convencendo o pai a mudar seu voto nas eleições à prefeitura de São Paulo em 2010, algo que dificilmente aconteceria nas gerações anteriores. Paulo, por exemplo, acha que seu pai, na juventude, não teria mudado a opinião de seu avô.

“Ele (meu pai) não tinha internet (quando era mais novo), a tecnologia era muito cara. Se meu pai é cabeça dura, imagina o pai dele. Na época dele, o importante era trabalhar na roça e só. Devia ser complicado mudar a cabeça de alguém assim.”

De volta a Heliópolis, o coordenador da Unas, Reginaldo José Gonçalves, diz que a turma atual do grupo “jovens conscientes” é a “mais envolvida e interessada em participar da comunidade” desde 2010, quando o projeto começou. Para ele, muito disso tem a ver com o acesso à informação.

“A internet também permite a eles (jovens) produzir informação – expressar sua opinião e fazer denúncias nas redes sociais”, argumenta.

Senso crítico

Mas será que essa busca e produção de informação não está superficial demais, numa época em que internautas compartilham notícias sem sequer lê-las?

“Isso não é um problema só do jovem”, diz Gonçalves. “As pessoas não pesquisam para ver se o que estão compartilhando é verdade. É algo cultural e educacional. Precisamos preparar os jovens para exercer a cidadania e ter senso crítico.”

Para colocar isso em prática, ele organiza debates na ONG sobre temas como maioridade penal e reforma política, nos quais os jovens são convocados a estudar para defender pontos de vista contra e a favor.

O desafio, agora, é inserir nesse e em outros debates os jovens que não se interessam pela participação política. Os próprios participantes do grupo juvenil da Unas sabem que eles são minoria no bairro – e talvez no país – onde moram.

“Vejo o pessoal de fora dos projetos sociais (em Heliópolis), e eles são descolados, zoam. Mas se você tenta discutir um assunto com eles por meia hora não consegue”, diz Igor da Conceição, 16 anos, conhecido na Unas por escrever letras de rap sobre o cotidiano dos jovens da comunidade. “Para eles o importante é ter dinheiro no bolso.”

Fonte: Diário do Centro do Mundo. As informações são da BBC Brasil.

Foto: Divulgação

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