Por Thiago Burckhart, para Desacato.info.
Uma das reivindicações contemporâneas mais relevantes no cenário político e jurídico brasileiro é a revisão da lei da Anistia, lei que concede “perdão” aos civis e militares que cometeram crimes políticos e conexos durante os anos de 1961 e 1979, período que compreende a ditadura militar no país. A crítica se assenta no fato de que essa lei não poderia ser aplicada aos casos de graves crimes contra a humanidade (tipificado no Estatuto de Roma, pelo qual o Brasil é signatário), de modo que haja a efetiva responsabilização do Estado brasileiro pelos crimes perpetrados e a efetiva investigação e punição dos responsáveis pelos crimes.
Dessa forma, no ano de 2009 foi submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos o famoso caso Gomes Lund (e outros “Guerrilha do Araguaia”) versus Brasil. Esse caso emblemático leva à Corte Interamericana a necessidade de se julgar a situação dos crimes contra a humanidade que ocorreram na ditadura militar, como o crime de seqüestro, tortura, entre outros, de modo a responsabilizar o Estado brasileiro por essas violações e condená-lo civilmente ao pagamento de indenizações aos familiares que tiveram seus entes queridos vítimas do terrorismo de Estado. Levanta ainda o necessário direito à informação e à verdade.
A Corte sentenciou o caso em 2010, condenando o Estado brasileiro a: reparação, por meio da Justiça Ordinária; investigação penal dos fatos levantados no caso, a fim de serem esclarecidos; o paradeiro das vítimas; a realização de ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional a respeito dos fatos do presente caso; realização de curso de formação em Direitos Humanos às Forças Armadas; publicização de informações sobre a guerrilha do Araguaia e o acesso à informação e à verdade. O Brasil foi, portanto, condenado pelas violações à Convenção Interamericana de Direitos Humanos pelo fato de que a Corte Interamericana entendeu ser incompatível a Lei de Anistia brasileira com a Convenção, visto que foram violados direitos à liberdade de pensamento e de expressão, direito à informação, à verdade e o acesso às garantias judiciais e a integridade física, de modo que o Brasil foi considerado responsável pelo desaparecimento de pessoas no período da ditadura.
Após proferida essa emblemática decisão que possui força vinculante no Brasil, no ano de 2013 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), ação que se utiliza quando se descumpre algum direito fundamental expresso na Constituição Federal, no Supremo Tribunal Federal com o argumentando que a Decisão da Corte Interamericana não estava sendo cumprida, o que viola os direitos fundamentais de muitos cidadãos. O parecer do Ministério Público Federal mostrou-se favorável ao dever do Brasil mover a persecução penal entre os envolvidos no caso, de modo a investigar e condenar os culpados pelos crimes contra a humanidade.
Disso, em breve síntese, pode-se concluir que as instituições jurídicas caminham num sentido progressista no que tange à revisão da lei da anistia, de modo a realizar justiça para com aqueles que sofreram com o terrorismo de Estado ocorrido no período da ditadura militar no Brasil. A revisão dessa lei mostra-se como uma grande conquista para a justiça de transição no país, de modo a permitir em debate aberto a revisão de uma lei, fato este que é essencialmente importante para a consolidação da democracia brasileira.
Thiago Burckhart é estudante de Direito.
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