A história da opinião pública brasileira

renuncia janio quadros 2

Por Raul Longo.

Parte I – A grande decepção

Não há nada mais vilipendiado neste país do que a Opinião Pública. E tudo começou em 1960 quando a Opinião Pública se dividiu entre os candidatos da situação, o Marechal Lott, e os da oposição.

O Brasil então experimentava um momento bastante promissor, sobretudo, para a classe média que se entregava ao frenesi de consumo de uma recente industrialização: automóveis, eletrodomésticos, materiais de construção. Uma ascensão!   E as classes populares se organizavam através de movimentos de reivindicação salarial ou de direitos trabalhistas. Por vezes atendida por vezes reprimida, uma parte insatisfeita com as negociações do governo entre trabalhadores e patrões e outra parte, reconhecida ao getulismo das leis trabalhistas, apoiando JK.

Lott era um getulista, mas calava-se na memória coletiva lembranças que sem dúvida influíam na Opinião Pública. Ninguém se referia a estas lembranças que pareciam perdidas no passado, mas muito se engana quem acredita que a memória popular realmente seja fraca, pois o ínclito Marechal Lott foi vítima dos piores momentos da Velha República sob a presidência tirânica do Floriano Peixoto e, mais tarde, do sobrinho do líder republicano, Marechal Deodoro, o igualmente marechal Hermes da Fonseca que promoveu o terrível massacre da Revolta da Armada ou Revolta da Chibata, traindo o acordo estabelecido com os revoltosos que apenas exigiam a suspensão do uso da chibata como método de repreensão aos subalternos da Marinha do Brasil.

E assim, apesar da euforia pela nova capital, pela industrialização, a Bossa Nova e a Copa Jules Rimet; a Opinião Pública Brasileira elegeu Jânio Quadros.

Então vigorava a constituição de 1946 que previa eleições também para vice-presidente em votação simultânea, mas independente da de presidente. Vota-se no presidente de um partido e no vice que poderia ser de outro, aliado ou rival. Apesar de ceder às manobras do marketing primitivo empregado pelo Jânio, por via das dúvidas a Opinião Pública manteve o mesmo vice-presidente e aliado político do Juscelino Kubistchek, pois mesmo não havendo reeleição para presidente, vice-presidente poderia ser reeleito e a Opinião Pública preferiu assegurar alguma saída para o caso de Jânio ser mesmo tão instável quanto transparecia em suas contradições que se por um lado lhe emprestavam uma aura de empírica genialidade, por outro o assemelhavam a alguém desajustado à realidade. Caso o entusiasmo por Jânio desse chabu,  ao menos havia possibilidade de retornoao que até então dera muito certo, através do getulista João Goulart.

De obscuro professor de colégio, o mato-grossense Jânio Quadros conquistou sucessivamente a vereança, a prefeitura da capital e o governo do estado de São Paulo. Sempre com retórica divagante e contraditória, vocabulário rebuscado e o indefectível discurso fácil contra a corrupção. Já naquele tempo os políticos eram como os proprietários de som automotivo: quanto maior o volume pior a música e quanto mais corrupto maior aparência de indignação à corrupção.

As indústrias de base criadas por Getúlio Vargas permitiram a Juscelino o convite às multinacionais montadoras automobilísticas a se instalarem no Brasil e, evidentemente, escolheram a região entre o maior porto do país, Santos, e o maior parque industrial, São Paulo. Consequentemente o desenvolvimento do estado se tornou díspar da realidade brasileira, apontado como modelo administrativo e econômico.  Uma impressão enganosa, pois a governança paulista de Jânio Quadros se pautava por medidas de moralismo caseiro em detalhes supérfluos e corriqueiros. Mestre em dramatizar e transformar suas mais pífias providências em escândalos e espetáculos, desviava a atenção da Opinião Pública dos verdadeiros problemas que permaneciam insolúveis e sem qualquer providência. Problemas acarretados principalmente por São Paulo ser o principal destino do êxodo promovido pelas permanentes dificuldades e abandono dos sertões.

Com a construção de Brasília, Juscelino dera início ao processo de extensão da presença e do atendimento do estado às populações interioranas, mas o Brasil é um continente e evidentemente a situação dos nossos interiores não poderiam ser resolvida repentinamente apenas com a construção de Brasília. Daí que embora admirada e reconhecida à JK, a Opinião Pública Brasileira não pôde perceber do que abdicava ao escolher uma discutível promessa de mudança.

Imaginava-se que Jânio Quadros faria do Brasil uma grande São Paulo, mas sete meses depois a falsa promessa de mudanças nas fórmulas políticas se afogou no delírio de ser aclamado pela Opinião Pública como o salvador vitalício da pátria. Conforme o relato de seu neto, publicado quatro anos depois de sua morte em Jânio Quadros : Memorial à Historia do Brasil’ (Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi) , Jânio teria confessado que em verdade as pressões de “forças terríveis” se resumiram à certeza de que a Opinião Pública, o exército e os governadores o levariam de volta ao poder como ditador. O maior fracasso político da história republicana do Pais, o maior erro que cometi…’’em palavras do avô reproduzidas por JQ Neto.

Com a renúncia, as contradições do político perderam o beatífico traço de genialidade, revelando-se real instabilidade, irresponsabilidade e alheamento. Quando cassado pela ditadura militar que o utilizou como exemplo de intolerância aos velhos corruptos, sem mais nenhuma comoção a Opinião Pública se viu livre de Jânio que se auto exiliou em Londres onde consumiu parte do arrecadado com a carreira política beneficiada pela tradicional credulidade paulistana que ingenuamente interpretava os sanduiches de mortadela nos bolsos do paletó do candidato como inconteste comprovação de pobreza.

Jânio foi o mais controverso dos presidentes brasileiros desde 1930, quando Getúlio Vargas enterrou a igualmente malfada e impopular Velha República. Através de dúbia política externa em plena Guerra Fria, buscou agradar nações comunistas e capitalistas, embora internamente reprimisse duramente os movimentos populares e dos trabalhadores aos quais repassava a responsabilidade de uma política baseada na austeridade para conter a inflação. Congelamento de salários, restrição de crédito, ausência de investimentos em setores de interesse público, medidas impopulares mas ocultadas por espetaculares promoções de falso moralismo como a proibição da lança perfume nos bailes de carnaval, censura à transmissão de imagens de concursos de misses com maios e biquínis, ou encerramento de atividades dos jóquei clubes para aparentar severidade extensiva às classes dominantes.

Enquanto reprimia os movimentos de esquerda do Brasil, contraditoriamente condecorava Ernesto Che Guevara que atendeu a um pedido do Vaticano libertando 20 sacerdotes colaboradores do destituído ditador Fulgencio Batista. O pedido foi expresso pelo núncio apostólico no Brasil, Dom Armando Lombardi, e utilizando as dificuldades comerciais de Cuba bloqueada pelos Estados Unidos, Jânio encontrou naquela condecoração uma providencial forma de manipular a Opinião Pública que naqueles tempos apontava Cuba como exemplo e modelo de conduta, conforme demonstrava a marchinha mais popular nas rádios e salões de baile dos carnavais da época, advertindo que em Cuba quem andasse na contramãoiria para o paredão para lamentar: “aqui ninguém é dono de ninguém/ barbado só camarão/ se roubar um trem/ ou matar alguém/ tem cem anos de perdão/ e um contrato na televisão.”

Uma premonição dos anos 60 sobre as “celebridades” que em décadas posteriores seriam construídas pelos formadores da Opinião Pública. Mas estes discípulos de Jânio Quadros vieram em outro momento da história e merecem um capítulo à parte.

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