O colapso do viaduto e a engenharia brasileira

Por Álvaro Rodrigues dos Santos.*

colapso

 Estaria a engenharia brasileira cometendo um grave erro contra si própria e contra seu país se, por excessivo zelo corporativo, não se movesse a refletir e transparentemente discutir as causas essenciais da recorrência de acidentes e não conformidades técnicas em obras de sua responsabilidade direta, como bem exemplifica o recente caso do colapso de viaduto ocorrido em Belo Horizonte.

Vivemos hoje no país um aparente paradoxo tecnológico: obras e serviços que expressam a altíssima qualidade tecnológica alcançada pela engenharia nacional, sua incrível capacidade de atualização e inovação nas mais refinadas técnicas de projeto e construção, pelo que é reconhecida nacional e internacionalmente, convivendo com obras e serviços de incrível e agressiva pobreza tecnológica, nos quais cometem-se erros que já seriam considerados crassos e primários há muitas décadas.

Variados e importantes aspectos estão associados a esse quadro, mas vale destacar entre eles a crescente predominância que a gestão financeira vem tendo sobre gestão técnica na condução dos empreendimentos de engenharia.

Nesse quesito vale ponderar que o fator preço vem ocupando um caráter exageradamente decisório nas licitações públicas e também nas contratações privadas. Essa forçada prática de preços baixos competitivos leva naturalmente o licitante vencedor a procurar, no decorrer da execução do empreendimento, alcançar a lucratividade originalmente pretendida – já normalmente exagerada para os padrões internacionais – lançando mão de alguns problemáticos expedientes: formulações contratuais permissivas de seguidos reajustamentos, economia máxima em estudos geológicos e geotécnicos, extensa terceirização de serviços essenciais, redução obsessiva dos custos de materiais e serviços envolvidos na execução geral do empreendimento, o que vai implicar em uma aceitação temerária de maiores riscos técnicos no decorrer da execução das obras. Esses expedientes vão inexoravelmente deteriorar radicalmente o ambiente de frente de obra fazendo com que as diretrizes de ordem financeira superem em importância cultural e hierárquica os princípios básicos da segurança e da boa técnica.

No caso específico em que o contratante é um órgão público, notam-se as decorrências danosas de seu longo processo de esvaziamento técnico. Esse grave fenômeno enfraquece sobremaneira o papel do órgão público contratante como agente indutor e fiscalizador de qualidade, papel já originalmente e adicionalmente comprometido por um não raro ambiente interno pouco afeito a preceitos éticos mais apurados.

Não há outro caminho, tudo precisa ser repensado e revisto, tanto pelos agentes públicos como pelos agentes privados. Mas cabe sugerir uma medida mais imediata que possa desde já trazer uma boa contribuição. Trata-se, para empreendimentos públicos de médio e grande porte, da formação de Comitês Autônomos de Acompanhamento, constituídos por técnicos indicados por associações técnicas e profissionais, Universidades e Instituições de Pesquisa, encarregados de acompanhar todos os procedimentos envolvidos no empreendimento, desde a formulação inicial dos editais de licitação até a entrega final da obra.

* Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos ([email protected]) Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia;Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão” e “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”; Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente;

Fonte:  EcoDebate

EcoDebate, 28/08/2014

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