Texto e fotos: Paula Guimarães, para Desacato.info, direto do Hotel Cambirela, Florianópolis.
“A população não fica sem energia, mas paga o preço na conta”, afirmou Antônio Waldir Vituri, diretor Financeiro da Eletrosul, ao explicar o aumento no preço das tarifas devido ao acionamento das usinas térmicas com a baixa nos reservatórios. O palestrante abriu os trabalhos da Mesa Temática “Estado e Sociedade no planejamento, regulamentação e organização da indústria energética”, no Seminário Região Sul para Política Energética, que acontece nestes dias 20 e 21 de agosto, em Florianópolis.
Vituri traçou o cenário atual do modelo elétrico brasileiro e apresentou o planejamento do setor até 2022. Explicou que o aumento de 22% na tarifa da Celesc é formado por 7% de inflação 13% de “encargo” de ligamento das usinas térmicas. “A usina fica parada e quando é ligada alguém tem que pagar. Depois de alguns anos, o custo da geração térmica sai da tarifa”, explica.
Ao tratar da Expansão do sistema elétrico brasileiro, no Plano decenal de Energia (PDE), o palestrante pontuou que a matriz energética brasileira (energia ofertada) é uma das mais limpas do mundo: 42% é formada por energias renováveis, enquanto na matriz mundial estas energias respondem por apenas 16%. Assinalou que, se tratando de matriz elétrica, é ainda mais limpa, já que as hidrelétricas respondem por 75%. “A falta de chuvas, porém elevou a participação das térmicas que representavam 10% em 2012, e agora respondem por 21%”, assinala.
Conforme o palestrante, o modelo energético brasileiro direcionado pela chamada “segurança energética”, opta pelas hidrelétricas, por serem renováveis e viáveis economicamente, e pelas térmicas, consideradas alternativas complementares seguras. Explicou que as fontes alternativas, como eólica e solar, também são consideradas complementares, porém não garantem a mesma segurança por não poderem ser armazenadas.
Democratização do planejamento energético
“Na criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ficou prevista a realização de audiências públicas para que a sociedade participasse das decisões do planejamento. O que não vem ocorrendo”, assinalou Franklin Moreira Gonçalves, presidente da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU).
Para Gonçalves, a escolha das fontes de energia não pode ficar à mercê da tecnocracia instalada no órgão. O palestrante defendeu a democratização do planejamento energético, não só para que a sociedade participe das decisões, sob a análise dos impactos e preços, como também para o apoderamento dos recursos energéticos.
O presidente assinalou que só 1/3 dos recursos naturais do Brasil foram explorados e que a cobiça por parte das potências mundiais tende a aumentar. Os Estados Unidos, por exemplo, consomem 25% dos recursos energéticos do mundo (que não são produzidos no país). “Não podemos deitar em berço esplêndido achando que não seremos cobiçados por esses países”, afirma.
Segundo ele, a perda de capacidade de investimento, que culminou com o racionamento em 2001, foi resultado do modelo neoliberal adotado pelo governo FHC, no qual as estatais participam de forma minoritária nas usinas. Com a nova orientação política do governo Lula, as empresas do grupo Eletrobrás saíram do plano de privatização. “É preciso cuidar das estatais para que o governo não fique refém do mercado na tomada de decisão”.
Conforme Gonçalves, o BNDES financia até 80% do valor dos empreendimentos, mas não empresta para empresas com participação majoritária do estado. “O recurso do planejamento está comprometimento. Lula parou o avanço da privatização do sistema elétrico, mas é preciso alterar mais, o que só será possível com condição política favorável”, afirma.
Influenciado pelo risco hidrológico, o custo da termelétrica por megawatt-hora é de R$ 822,83, porém o custo médio para geração é muito abaixo desse valor (em média R$ 20). O consumidor cativo, inserido no mercado regulado, chega a pagar quatro vezes mais que as grandes indústrias do mercado livre. “O governo tem que alterar o cálculo influenciado pelos riscos inerentes ao mercado. É injusto que os riscos que existem para os livres sejam repassados para o cativo. Temos que impedir que a especulação contamine o setor cativo”, afirma.
Ao defender a participação da sociedade no planejamento energético, o palestrante lembra que o decreto que institui a Política Nacional de Participação Social é um avanço, porém precisa ser ampliado para que a plataforma do campesinato ocupe vaga no conselho energético.
Estado no controle da energia
“Energia tem importância estratégica para qualquer país. É urgente uma reforma política. A proporção do campo é desigual no congresso”, afirmou Cloviomar Pereira, economista da Federação Única dos Petroleiros (FUP). O palestrante fez um apanhado histórico do sistema energético do Brasil. No período Getúlio, o estado começa a interferir na atividade econômica, com a criação do sistema Telebrás, da Petrobras e da Eletrobrás. “Getúlio não fez de graça. O monopólio da Petrobras veio de muita pressão”, explica.
O governo FHC, por sua vez, promoveu o recuo do Estado, flexibilização do monopólio e quase privatizou a Petrobras deixando o país com reserva pífia do recurso. “Como não conseguiram colocar em leilão, fatiaram a empresa. Só não foi pior porque houve muita resistência popular. Hoje, além da Petrobras, mais 40 empresas exploram o petróleo”, afirma.
O governo Lula retomou os investimentos e resgatou as empresas da Petrobras, posicionando-a entre as maiores do mundo. O Estado passa a se fortalecer no controle acionário da Petrobras com a exploração da chamada cessão onerosa, no pré-sal. “A imprensa golpista afirmou que não existia petróleo no pré-sal. Hoje, dos dois milhões de barris diários, 500 mil são do pré-sal”.
Mesmo que esgotável, o petróleo deve predominar nos próximos 50 anos, seja no processo produtivo ou no transporte. Muitos países tiveram suas reservas extintas com a exploração de estrangeiras que não tinham compromisso nenhum com o desenvolvimento. “Como a energia é estratégica, o estado tem que estar no controle com estatais fortes”, afirma Pereira.
O palestrante alertou para os perigos da exploração do gás de xisto, solução adotada pelos EUA ainda sem protocolo, que contamina solo e água e causa acidentes. “Exploração do xisto é um risco absurdo. Temos extensas reservas de gás natural, só quando tivermos tecnologia adequada e risco de reserva petróleo podemos optar por essa alternativa”.
Direito à participação popular
“A energia de hidrelétricas tem um dos custos mais baixos do mundo e por que é uma das mais caras?”, questionaGilberto Cervinski, coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A resposta está na equiparação aos preços internacionais, pautados pelas potências que utilizam energias mais caras, como a França, por exemplo, que tem 70% de sua matriz formada por energia nuclear. A transformação (ou desorganização) do setor elétrico em vários negócios – geração, distribuição e transmissão -, está sustentada no equilíbrio econômico financeiro. Segundo ele, as empresas têm 30 anos de concessão e três formas de aumentar a tarifa todo ano: o reajuste anual, revisão periódica e extraordinária (em caso de diminuição de lucro).
Conforme o coordenador, historicamente, foi negada à classe trabalhadora a discussão sobre a política energética e o sistema elétrico nacional foi estruturado para beneficiar grandes corporações. A organização do setor elétrico em Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é uma das formas de negar o direito de participação popular. “É uma estratégia internacional de tirar poder do governo e passar por uma entidade que se diz é neutra e técnica. O órgão incentiva a precarização do trabalho e adota uma regra que incentiva a demissão e a terceirização, onde a lógica é a lucratividade e não qualidade”.
Para Cervinski, a distribuição de riqueza passa pela reformulação do modelo energético brasileiro. “Precisamos identificar pontos de unidades entre nós para melhorar a política energética. Como organizar produção e distribuição de energia para beneficiar o conjunto da classe trabalhadora?”, propõe o questionamento.
Com participação minoritária nas estatais, o estado fica refém das regras do capital financeiro. Na Celesc, por exemplo, apenas 20% das ações são do governo de Santa Catarina. “Os acionistas pressionam o governo para aumentar a remessa de dividendos. Assim funcionam as estatais, como Eletrobrás, Copel, Semig, que deveriam servir ao povo brasileiro, não aos acionistas da bolsa de valores”, afirma.
“Delegar a energia a quem? Aos deputados eleitos pelos empresários ou ao ministro Edson Lobão indicado pelo José Sarney? O caminho é a ampla participação e controle social sob a energia”, sugere.
Quando se trata de energias renováveis, o Brasil destaca-se com larga vantagem competitiva. Tem pelo menos três fontes abundantes de energia limpa – hidrelétrica, eólica e solar – porém ainda faltam investimentos para torná-las viáveis. “O país com uma das condições mais vantajosas do ponto de vista energético mundial e com domínio de tecnologia do pré-sal precisa controlar a sua energia, principalmente em período de crise do capitalismo”, finaliza.