Texto e fotos: Rosangela Bion de Assis, para Desacato.info.
O primeiro filho de Olindina Luci Machado nasceu em outubro de 1950 e recebeu o nome Luiz Fernando Machado. Nasceu no mês em que, 38 anos depois, nasceria o Sindicato que ajudou a criar e fortalecer. Dona Olindina viu cedo que o filho não seguiria os passos do pai nem do irmão, militares, que tinha nascido para questionar: “não adianta querer mudar o pensamento dele, ele tem argumentos”. O exemplo da mãe guerreira, trabalhadora da Casan, o inspirou mais forte.
Luiz Fernando, ainda menino, virou Xereba. Na infância, a rua foi espaço de brincadeiras, do futebol com os amigos; na adolescência, as ruas foram palco dos primeiros enfrentamentos. Durante a ditadura militar, Xereba, então com 14 anos, já participava das manifestações na Rio Branco, começando em frente ao Quartel da Polícia Militar e subindo até o Batalhão da Praça dos Bombeiros. Época de fugir da repressão, se esconder na casa do Bulcão Viana com outros colegas do Grupo Escolar São José.
Em 1972, assim que começou a trabalhar no antigo Inamps, Xereba foi convidado por Orlando Silva para cuidar da parte Esportiva do Clube dos Previdenciários. Como diretor, ajudou a organizar campeonatos de futebol e confraternizações reunindo trabalhadores do Iapas, Iapi e INPS e Iaptec de várias cidades do estado. Começam ali os contatos com a base que o acompanhariam por toda vida.
Durante a Novembrada, em Florianópolis, Xereba não perdeu as manifestações em frente ao Palácio do Governador, na Praça XV de Novembro. Trabalhador, ele esperava o fim da jornada para engrossar os protestos, para jogar uma quantidade enorme de bolinhas de gude e impedir o avanço da cavalaria montada contra o povo. Naquele tempo, a Catedral Metropolitana era o refúgio que protegia os jovens da ação violenta da polícia.
Antes do Sindicato surgir
Foi Luis Fernando Silva e Ademir Rosa que convidaram Xereba para fazer parte da primeira diretoria da Acaseps, que seria eleita com 90% dos votos, em 1983. A sede da Acaseps funcionava no prédio da 7 de Setembro. De lá saíam os panfletos mimeografados que chamavam os servidores para as primeiras greves realizadas em 1983, 1984 e 1985. Jovens servidores trouxeram para os sindicatos o clima de mobilização contra a ditadura militar, de luta contra o arrocho salarial e a falta de liberdade.
Ao lado de Reinaldo Machado, Elisabete Constantino, Cleuzinha, Ademir Rosa, Elídia, Odilon Silva, Cásia, Hélio e Luis Fernando Silva, Xereba ajudou a organizar as primeiras paralisações dos servidores da Saúde e da Previdência, na década de 80, e também fez parte da criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Fenasps. Mesmo proibidos de se organizar em sindicatos, os servidores públicos atuaram intensamente na criação desses instrumentos de luta da classe trabalhadora, que nas décadas seguintes cumpriram um importante papel. “Foram anos intensos para o movimento sindical, movimento negro, sem terra e sem tetos. Aprendi muito com Ademir Rosa, me fortaleci como pessoa e me posicionei na luta pelo socialismo”.
Casado com Helena Alencar Machado, pai das gêmeas Cyntia e Cristiane, nascidas em 1978, e do Ricardo, nascido em 1985, Luiz Fernando era Diretor de Base do Sindprevs/SC, recém criado após a Constituição de 1988, foi uma das vítimas da disponibilidade imposta por Collor de Mello. Em 1990, ao lado do Osvaldo Vicente, Valéria, Toninho, Osni Lima, Valmir Braz e muitos outros servidores, Xereba fez parte da comissão estadual e nacional que negociou a situação de mais de 300 mil servidores demitidos ou colocados em disponibilidade. A primeira vitória foi a regulamentação do Regime Jurídico Único (RJU) mas ainda foram necessários quase três anos de mobilizações para reverter a situação da maior parte dos atingidos. Foram momentos duros, que levaram a saúde e até a vida de trabalhadores.
Em 1997, Xereba começou a organizar um grupo de oposição a direção que estava a frente do Sindprevs/SC. Fortalecido pela saída de nove membros da diretoria, esse grupo se apresentou como opção eleitoral em 1999. A chapa “Mudar para Lutar” retomou a participação dos servidores na Fenasps e nas demais instâncias dos trabalhadores. Um mês após a posse, uma delegação de quase 200 servidores do INSS e Ministério da Saúde participa do Confenasps em Guarapari/ES. Dois membros de Santa Catarina são eleitos para a direção da Federação. Nesse Congresso ainda é aprovado o apoio à candidatura de Luis Inácio.“Trabalhamos tanto para eleger um governo que pensávamos que seria de esquerda, mas ele fez alianças de todo tipo e esqueceu o compromisso com aqueles que o elegeram.”
De 1999 a 2014, Xereba foi Diretor do Sindprevs/SC, nesse período ajudou a organizar oito greves, totalizando 524 dias de paralisação, incontáveis dias de mobilização, caravanas a Brasília, cursos de formação, assembleias e plenárias. Quase sempre como Diretor de Política e Organização de Base, ele avalia que o movimento sindical atualmente não tem mais a unidade que foi construída do fim da ditadura até 2005. “O servidor se acomodou com o capital”.
Nessa caminhada alguns companheiros o surpreenderam. “Eu não esperava o crescimento político da Verinha. A conheci em 1999 e foi uma grata surpresa. Na Fenasps, no movimento negro, substituindo o Valmir na Coordenação e durante a greve do Ministério da Saúde em 2012, ela demonstrou maturidade e politização. “Naquela greve não houve ganho financeiro, só ganhos políticos, mas naqueles 59 dias a classe demonstrou unidade e surgiram novas lideranças.”
Movimento isolado
Como uma lembrança marcante dos tempos de ação conjunta, Xereba cita a greve contra a Reforma da Previdência do governo Lula, em 2003. A Coordenação dos Federais aglutinou todos que lutaram contra a retirada de direitos. “Aqui em Florianópolis realizamos um seminário que discutiu os modelos de Previdência na América Latina. Lembro do apoio fundamental do Índio Aymoré e do Marcos Lenzi na organização desse evento que reuniu trabalhadores de toda base dos federais.”
Para Luiz Fernando a greve de 2009 significou uma ruptura, “muitos passaram a fazer sindicalismo de escritório, servidores públicos perderam o respeito por si mesmos e passaram a ser escravos das chefias. Entre nós não pode haver ódio no coração. As lideranças do passado criaram centrais sindicais, unificaram a classe trabalhadora e hoje isso não está mais acontecendo. Eu ouvia minha mãe falando sobre como a nossa luta era importante para todos os trabalhadores. Hoje somos culpados pelo isolamento dos sindicatos em relação aos movimentos sociais e populares.”
Xereba não faz parte da chapa inscrita para concorrer à direção do Sindprevs/SC para o triênio 2014/2017, mas já adianta que não está saindo da militância política. Após 42 anos de trabalho representativo ele está consciente de que seu papel extrapola a atuação sindical. “Ainda vou fazer muita coisa. O pessoal que está chegando precisa respeitar muito essa entidade e tem pela frente um grande desafio: reconstruir a unidade da classe trabalhadora”.