Por Raul Longo.
Não vou lembrar qual dos redatores do Estadão, talvez o próprio Ruy ou algum outro Mesquita, em finais dos anos 70 indicava autores do FEBEAPA como portadores de “indigência intelectual”.
FEBEAPA foi como Stanislaw Ponte Preta, o saudoso Sérgio Porto, na década anterior apocopou o que chamou de “Festival de Besteira que Assola o País”.
O FEBEAPA eclodiu com a tomada de poder pelos milicos do golpe de 64, apoiados pelo que então havia de imprensa no Brasil: um jornaleco do Rio de Janeiro chamado O Globo e outro de São Paulo chamado Folha de São Paulo.
Em São Paulo a ditadura militar também foi bastante apoiada por uma editora de revistinha infantil chamada Abril. A Editora Abril tentou ser uma editora séria lançando a revista Realidade, então a melhor publicação do gênero no país, mas depois de conchavar com a ditadura suspendeu a Realidade, apesar do interesse e respeito público, e lançou a Veja que, no princípio, até foi uma revista assim-assim, mas hoje é essa bosta de publicação que aí está.
De sério mesmo, de peso a apoiar a ditadura, só o jornal O Estado de São Paulo. Os demais que acorreram a dar vivas às tropas que tomaram o país de assalto em verdade não passavam de papel de embrulho em peixaria. E os Marinhos, além do jornal, o que tinham era uma emissora de TV chinfrim, de transmissão exclusiva para o Rio de Janeiro.
Nisso de transmissão de TV, e rádio também, o realmente significante eram as emissoras do grupo Diários Associados do Assis Chateaubriand. Chateaubriand foi quem lançou a primeira TV do Brasil, a Tupi, e tinha tudo: jornal, revista, rádios e duas emissoras de TV. Mas a partir de 1960 as emissoras de TV do Chateaubriand tiveram de enfrentar uma poderosa concorrente com a inauguração da TV Excelsior.
A TV Excelsior era do maior empresário brasileiro de então, Wallace Simonsen, dono da PANAIR, das Cerâmicas São Caetano, da Editora Melhoramentos e várias holdings dispersas pelo mundo.
Mas Simonsen era amigo do João Goulart, o presidente eleito pelo voto do povo e deposto pelos militares golpistas que perseguiram o grande empresário até levá-lo ao suicídio em 1965.
A TV Excelsior foi o primeiro órgão de imprensa a denunciar publicamente o exercício da censura da ditadura. Quando as matérias de seus noticiários eram censuradas, expunha pelo tempo de exibição da notícia o desenho de suas mascotes, um casal de crianças, com boca e ouvidos tapados.
Em 1969, quando a censura também chegou à redação do Estadão, Julio de Mesquita Neto usou o mesmo artifício, denunciando a censura sofrida com a publicação de versos do Os Lusíadas no espaço destinado à matéria censurada. E seu irmão, Ruy Mesquita, fez o mesmo em outra publicação da empresa da família: o Jornal da Tarde, mais dirigido ao público estudantil.
Ao invés de Camões, no Jornal da Tarde, a censura era denunciada com receitas culinárias e, de qualquer forma, aquelas exposições tornaram os jornais simpáticos aos leitores mais progressistas embora, como todas as demais empresas de comunicação atreladas à ditadura, a da família Mesquita também tenha se alavancado financeiramente. Tanto que deixaram o prédio da Rua Major Quedinho no Centro de São Paulo e foram instalar a nova sede numa enorme e moderna construção na Avenida Marginal.
Com a Editora Abril aconteceu a mesma coisa… Trocou os andares do prédio da Rua João Adolfo, próxima à Major Quedinho, por um parque gráfico e escritórios na Av. Marginal, além de enorme quarteirão na Rua do Curtume na Lapa e diversos outros prédios por onde se espalharam as redações de profusa linha de produção editorial: infantis, femininas, adultos, etc.
A Folha de São Paulo passou a ser o principal negócio da família Frias que antes faturava mais com a antiga rodoviária daquela capital do que com a reduzida tiragem de seus jornais que chegaram a servir de locadores de frota fria para a polícia política poder matar sem dar na vista. Inclusive colegas de profissão.
Com a morte do Chateaubriand em 1968 os Diários Associados ficaram acéfalos e a Excelsior ainda resistiu às pressões da ditadura até1970 quando foi definitivamente tirada do ar na marra e na força da truculência militar para que a Vênus platinada reinasse absoluta. E, hoje, os Marinhos são indicados pela revista Forbes como a família mais rica do Brasil.
Mas de toda essa alcateia, os lobos de algum pedigree sempre foram os Mesquita, afinal já faziam um dos principais jornais do Brasil, nascido como A Província de São Paulo em 1875. Republicano, mudou para O Estado de São Paulo imediatamente após a queda da monarquia e já no final do século XIX era o jornal de maior circulação naquele estado, superando em muito seus mais antigos concorrentes.
Judeu de origem, o patriarca Julio de Mesquita enfrentou o boicote dos mais importantes anunciantes do incipiente mercado publicitário paulistano, formado por uma grande maioria de empresas e indústrias de proprietários germânicos, quando apoiou os aliados contra o Kaiser na Primeira Guerra Mundial.
Em 1930, então sob a direção de Julio de Mesquita Filho, o jornal apoiou a candidatura de Getúlio Vargas, mas já em 32 se alinhou à Revolução Constitucionalista e se manteve em acirrada oposição ao nacionalismo getulista, assumindo a aliança ao entreguismo udenista de Carlos Lacerda.
Com o golpe de 64 esse entreguismo se tornou a principal motivação ideológica e econômica da alcateia formada pelos seguidores do grupo GAFE (Globo, Abril, Folha e O Estado de São Paulo), mas entre todos os sanguinolentos predadores da nação, os Mesquitas sempre se distinguiram como alfas. Enquanto todos os demais se comportavam como oportunos e ávidos piratas, os Mesquitas mantiveram recatada distância, preservando a pelagem. Talvez meramente pernósticos, mas ainda assim a própria esquerda reconheceu-lhes o direito à prepotência utilizada contra todos, inclusive seus iguais e da mesma espécie, ao acusá-los de indigentes intelectuais.
Realmente, apesar da prepotência e antipatia, impossível não se reconhecer uma mais elegante ou mais inteligente catadura entre os Mesquitas. Por piores fossem, distinguiam-se dos demais clãs da oligarquia mediática brasileira. Assumidamente entreguistas, mas nunca tão sabujos quanto um William Waack da Globo, nunca tão boçais quanto um Reinaldo de Azevedo da Veja, nunca tão ridiculamente cínicos quanto um Otário, digo, Otávio Frias, da Folha.
Mas sabem-se lá por qual escorrego ou decadência os Mesquitas acharam de incluir a colaboração do pornógrafo de extrema direita Olavo de Carvalho. Se como pretenso marxista o zero à esquerda era o único reconhecimento de seus contemporâneos que nunca assumiram Olavinho como companheiro, como comentarista quando muito se lhe confiaria à coluna astrológica da revista Sétimo Céu.
E se já aí os Mesquitas demonstraram perder a mão, que se dirá dessa manchete estampada na capa do jornal reproduzida logo abaixo do título deste comentário? Nada além da pergunta do Eduardo Guimarães: “Como assim, “Dilma tenta se descolar”? Quer dizer que a presidente da República está “colada” ao “fracasso” da Seleção? Ela, por acaso, é a treinadora da equipe? Foi ela quem escolheu o treinador? Foi ela quem escolheu a direção da CBF?”
A matéria do Guimarães pode ser lida aqui: http://www.blogdacidadania.com.br/2014/07/discurso-duplo-sobre-organizacao-da-copa-ira-desmascarar-aecio-neves/ mas o que mais encafifa a quem acompanhou a história do O Estado de São Paulo é que apesar desse tipo de chulice ser tão previsível que imediatamente após o jogo Brasil x Alemanha escrevi e distribui a crônica “Esta eles venceram”, antevendo exatamente a consecução deste tiro no pé, lá vai o jornal dos Mesquitas comprovar aquilo que antes lamentavam em seus concorrentes, desafetos, e até mesmo correligionários.
É triste! Não quanto ao caráter, posto que entreguista é traidor da pátria em qualquer circunstância, mas os Mesquitas ao menos pareciam possuir algum senso, percepção e inteligência. Como podem ter decaído ao atual FEBEAPA protagonizado pela grande Mídia do Brasil, se igualando aos demais vira-latas e infectando-se da mesma sarna de tão abjeta miserabilidade intelectual?