Dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC destaca importância de programas que combinem produção, tecnologia e ambiente, para dar sustentação à economia
Por Vitor Nuzzi.
O setor automobilístico reduziu a marcha, atingido por fatores estruturais (reestruturação produtiva em várias fábricas) e conjunturais (queda das exportações para a Argentina, estrangulamento dos programas de financiamento governamentais, aumento do IPI). Uma das regiões mais atingidas pela redução das vendas foi o ABC paulista, onde a ameaça ao emprego na categoria levou o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC a fechar acordos emergenciais para garantir postos de trabalho nas fábricas. Lay-off (suspensão do contrato de trabalho), férias coletivas, semanas curtas, banco de horas foram alguns dos mecanismos adotados. Ao mesmo tempo, a entidade abriu negociações com o governo federal e empresários em busca de uma política industrial para o setor. Na opinião do diretor do sindicato Teonílio Monteiro da Costa, o Barba, 55 anos, na base há 29 (entrou na Volkswagen em 1985 e na Ford em 1990), o debate passa por uma discussão mais profunda sobre o modelo de país. “Conseguimos uma articulação maior com setores empresariais e o próprio governo tem mostrado disposição de fazer isso”, comenta.
Há um sinal amarelo na indústria automobilística?
Atravessamos uma crise porque o ABC é um polo muito forte de produção automotiva. Ford, Mercedes e Scania enfrentam dificuldades no setor de caminhões. Já na Volks a dificuldade está no fim da produção da Kombi e do Gol geração 4. Lógico que temos uma expectativa de retomada do setor, principalmente após a Copa do Mundo, mas isso exige uma negociação maior. Por enquanto discutimos com o governo federal o programa de renovação da frota de caminhões, que começa com 30 mil unidades financiadas por ano. Se conseguirmos fechar esse acordo, com certeza teremos um plus na produção.
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC propõe a renovação da frota há algum tempo para o segmento de veículos…
Se fizermos as 30 mil unidades adicionais, levaria uns dez anos para substituir apenas os 309 mil caminhões com mais de 30 anos de idade que circulam no Brasil. Ainda existem outros 429 mil com mais de 20 anos… Por isso considero esse projeto, que surgiu de uma articulação com o setor empresarial, avançado. O caminhão velho, que causa grande número de acidentes e forte impacto na saúde pública pela alta emissão de gases poluentes, será desmontado e virar sucata, matéria-prima. Vejo esse debate de maneira otimista. A experiência começa com caminhão e podemos estender para outros setores.
Desde o início dos anos 1990 o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC propõe programas de política industrial. Vocês acham que essa discussão é mais fácil de ser feita hoje?
Na questão da política industrial, este governo nos ouviu e nos recebeu quando fizemos o debate do programa Inovar Auto, o novo regime automotivo que está em curso dentro do Programa Brasil Maior. O governo federal nos ouviu e criou um regime que pode absorver empresas produtoras e torná-las fabricantes de veículos, desde que invistam em pesquisa, engenharia, tecnologia, inovação, ferramentas e ferramentaria. O Inovar Auto criou ainda um programa de conteúdo regional, determinando que todos os carros fabricados tenham 60% de peças nacionais. Isso dá um impulso ao setor de autopeças, que teve no ano passado um déficit comercial de quase US$ 10 bilhões. Agora, em 2014, foi assinado decreto que permite rastrear todo o conteúdo de peças nacionais que vão no veículo. São programas de política industrial. É uma ação do governo federal, e os estados não estão entrando.
As montadoras eram resistentes à transferência de tecnologia para o Brasil. Algo mudou?
O período de 2013 a 2017 é extremamente importante para a implantação de tudo isso. O Brasil é hoje um grande montador de automóveis, mas não um produtor, um fabricante. Com o Inovar Auto isso muda. Entre 2013 e 2017 deve ocorrer a efetivação e o ajuste do programa, tanto com as montadoras como no setor de autopeças. E o governo poderá implementá-lo em outros setores como máquinas ou estamparia, para que a indústria de transformação aumente a sua participação no PIB, que hoje está em torno de 14,6%. O ideal é chegar a 25%, 27%. Você só consegue isso em longo prazo.
Vocês veem a política de desonerações dos últimos anos como paliativo?
Foram medidas extremamente importantes. O que temos de entender? Parte do PIB é puxada pela indústria. Se o setor produtivo enfrenta uma recessão muito forte, cai a renda de todos os trabalhadores do país, no setor público e privado. A queda impacta na arrecadação. Quando o governo reduziu o IPI de setores como o automotivo, linha branca, construção civil e químico, adotou medidas corretas no momento correto.
Antigamente o uso da palavra pacto em relação aos acordos de política industrial era quase ofensivo. Diziam que as empresas, ou o governo, entravam com a corda e o trabalhador, com o pescoço. Isso mudou?
Não fizemos pacto com as empresas. Esse acordo nasceu de um processo de mobilização iniciado pela CUT com um ato em São Paulo, no dia 6 de julho de 2011, que reuniu mais de 10 mil trabalhadores. Dois dias depois, os metalúrgicos do ABC (ligados à CUT) e de São Paulo (Força Sindical) colocaram mais de 30 mil trabalhadores na (rodovia) Anchieta para fazer os empresários e a presidenta receberem nossa pauta e discutir política industrial. Entendemos que é preciso discutir investimentos, qual o modelo de produção, qual modelo de país nós queremos. Isso é parte de uma luta, não foi construído assim porque as empresas são boazinhas. Parte das matrizes, por exemplo, foi contra o acordo, chamaram de protecionismo, moveram ações contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio. Não houve pacto, houve a iniciativa de um sindicato que ousa discutir além da questão corporativa da categoria, ousa discutir política industrial, sistema financeiro, sistema de proteção ao emprego. Entendo que isso faz parte da luta do movimento sindical, das centrais. Essa é a nossa visão. Quem usar esse discurso de pacto está totalmente equivocado, vai fazer só o discurso da negação. Nós cumprimos o que entendemos ser a obrigação do sindicato: combinar mobilização, luta, organização e negociação.
As atenções nas eleições que se aproximam não estão muito concentradas no Executivo, deixando em segundo plano o Legislativo, onde as representações dos trabalhadores são pequenas em relação às dos empresários?
Nós, trabalhadores, temos de participar do processo político. É uma disputa de correlação de forças, de interesses. É uma luta extremamente importante, que não pode ser só dos partidos. Não posso confiar que o PSDB defenda o interesse dos trabalhadores, não é característica dele. Não basta eleger a presidenta ou o presidente da República, o prefeito, o governador, e não eleger uma boa bancada de parlamentares. Não podemos eleger deputados interessados em defender a terceirização ou que o Brasil se transforme apenas num grande exportador de grãos. O Brasil é a sétima economia do mundo hoje. Temos condições de ser a sexta, a quinta. Mas só se faz isso com desenvolvimento e organização política. A eleição é o momento mais importante da vida do país. Precisamos crescer distribuindo renda, terra, resolvendo problemas básicos, como saúde pública de boa qualidade, educação, segurança pública, transporte público, saneamento básico e habitação. Essa é uma pauta que os partidos de esquerda têm de abraçar.
Fonte: RBA.
Foto: ADONIS GUERRA/SMABC